quarta-feira, 26 de setembro de 2012

MINHA COMUNIDADE




O chafariz da rua do Tiro tinha água boa de verdade. Naquele tempo (1985) eu tinha dez anos. Carregava um balde não muito grande, mas era preciso buscar água para viver. À tarde, 17 horas, a caixa d'água central enchia, transbordava sobre nossas cabeças. Era um banho delicioso. Alegria de criança, que sabia enfrentar a luta da cidade. Cresci e moro ainda hoje no bairro Floriano, na casa de minha grande mãe Brasilina e meu pai Luís. No tempo de minha infância, morava ali, no pé do moro, um senhor chamado Floriano. Dizem que era de Pernambuco. Descendia de uma família importante, na terra de Bandeira, e foi o infortúnio da vida que o fez parar ali. Teve a sorte sofrível de um Quincas Borba e saía pelas ruas de Barro Duro praguejando a ex-consorte de “rapariga da peste”. Mas as pessoas de outras partes da cidade chamavam nosso bairro apenas de rua do Tiro. Era a forma pejorativa que as pessoas encontravam para desprezar nossa periferia. O nome rua do Tiro também decorre de um evento trágico. Foi um tiro acidental que aconteceu quando dois primos meus brincavam com uma espingarda, pensando estar desmuniciada. Todavia, nós da rua do Tiro (bairro Floriano) não nos sentimos diminuídos em face do escárnio do povo de fora. Floriano é nossa comunidade. Lá o morro nos deixa mais perto do céu. Naqueles montes cacei preá de baladeira. Peguei lambu de arapuca. Comi crioli, maria-preta, ameixa braba e jatobá. Acordei com o tambor do Divino da dona Chica, vendedora de tempero. No canto do chilandê de seu Manoel Chocha tive o beijo da primeira namorada. No campo do vasco, ninguém era páreo para nós. O açude era o limite com o território alienígena. Do Floriano eu já cortava caminho e saía na Buritirana para ir ao meu riacho Mucambo. A pescaria completava nossa vida naqueles tempos difíceis e bons. Jamais sairei daí, meu amado Floriano. O melhor lugar do mundo é onde o coração está e o meu sem dúvida alguma está aí.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

AS IDEIAS E OS FATOS



É verdade que muita coisa compõe a vida social. Falar de tudo seria inútil e decerto cansativo. Assim, importa aqui discorrer de forma mais contundente acerca de duas dimensões da realidade, quais sejam: o mundo dos fatos e o mundo das ideias. Aquilo a que o pensador Francês Michel Fulcault denominava “as palavras e as coisas”. E, levando em consideração a sabedoria popular, posso dizer que as ideias conduzem ao velho adágio: FALAR É FÁCIL. E as coisas conduzem à dura realidade da advertência pungente: “CAIR NA REAL!” Em nosso Barro Duro, até aqui, os homens e mulheres de ideias não significam nada para cidade. Compõem o res nata romano na política local. Vivem de cogitações vazias que jamais, até aqui ao menos, demonstraram um fio sequer de efetividade no mundo dos fatos. Fala-se de democracia com desenvoltura. Aponta-se, com arte até, a incompetência dos políticos locais. Falam de coisas, mas vivem apenas na dimensão das ideias, mantendo um distanciamento tão grande da vida cotidiana de Barro Duro que é mesmo impossível, assim, cometer erros. Por outro lado, alguns conterrâneos resolveram viver no mundo dos fatos. Aqui as coisas realmente acontecem e esta dimensão da vida social não admite bravata. O senhor Elói, o senhor Deusdete, o senhor Chico Pereira, para citar apenas os mais notáveis, são certamente as pessoas mais amadas e detestadas de nosso Barro Duro. Não poderia ser diferente. Eles estão e estiveram sempre em posição de luta. Erraram muito sem dúvida, porque estão no desconforto da chuva de que nos falara o grande Martin Luther King. Vivem no mundo dos fatos e são importantes em nossa terra. Pessoas representativas da dimensão coletiva, que não ficaram apenas no conforto da vida privada, criticando covardemente os que enfrentam as dificuldades da vida real de Barro Duro. Quero penitenciar primeiro a mim mesmo, confessar-me arrependido de meus erros (típicos de quem só conhecia o mundo político pelo âmbito das ideias). Esse ar impoluto de quem não se envolve na vida da cidade é uma ilusão arrogante. Não admiro mais tanto os teóricos da vida social depois que conheci os práticos, os presentes, os que estão embotados de poeira e barro e, por isso, não podem se apresentar limpinhos e cândidos e unânimes em face da opinião pública. Acho que agora completo minhas reflexões no tocante às DIMENSÕES REPRESENTATIVAS da vida de nossa cidade. E a conclusão a que chego contraria até meu próprio pensamento expresso até aqui neste Blog. Ninguém tem mais legitimidade em Barro Duro do que esses senhores e senhoras que aí estão na batalha diária junto com o povo. Ninguém é mais do que eles, porque eventualmente leu um livro ou outro a mais. Na verdade, hoje acho que todos os que vivem sem se envolver com a vida político-social de Barro Duro são bem menos que nossos políticos guerreiros de Barro Duro, que afinal de contas são quem realmente ajudam o nosso povo. Pela luta diária que têm em meu Barro Duro, quero parabenizar: o senhor João Cota, a senhora Ceiça do Riacho Seco, o Juva, Chico Pereira, a professora Judite, o Júnior do Valdimir, Elói, Jesus pessoa, Irisvaldo, Alberto Leitão, Berval, Rogério, Jesus Parente, Virgílio, Juvenal, Odésia, Douglas, Deusdete, João Paulo e outros. A partir de agora estarei com vocês na luta da vida cotidiana de Barro Duro. Consciente de que FAZER é mais honroso do que CRITICAR os que fazem pela nossa terra.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

MURIÇOCA, NOSSO CAMPO DE BOLA



O Garrincha era mesmo um craque espetacular. Lembro com muita saudade de nosso time. Goleiro Coquito, lateral direito, Hélio Galvão, esquerdo, Barão; sagueiro Du, volante (bom e zangado) Mazim do Gonzaga Branco, ponta direita, Ratim; esquerda, Tioiu; meia-direita, Dail; meia-esquerda, "Burrego", (o autor deste Blog); Atacante goleador, Garrincha. Na reserva, porque apesar de craque era muito pequeno, paulim Baia ( nosso João Paulo Soares). Esse era o inesquecível e imbatível time do Dail de seu Louro. Sábado pela manhã éramos os senhores da Muriçoca, território do time do Renato da Célia, irmão do Senade, craque na canhota. Às vezes, depois do jogo, eu ia para barragem do Riacho Seco e só voltava para ir para a danceteria do Leonardo. A mamãe ficava furiosa! Fazíamos a cidade inteira: campo do hospital, campo do açudim, campo da usina, campo do cambiar, campo da puaca, campo do vasco, campo do Riacho Seco e campão. A vida parecia ser mais simples. E a gente, naquele tempo, não tinha tempo para sofrer. Muriçoca virou bairro, outros campos não existem mais. E eu sentia naquilo tudo um cheiro de eternidade. Que ilusão às vezes a vida impõe às crianças. A vida nos conduziu por outros campos e aquela ternura da Muriçoca ficou apenas na memória. Mas esses campos formaram nossa identidade barrodurense. Por isso, talvez, vejo Barro Duro como o lugar mais significativo de minha vida. Quero sempre pisar esse chão da minha infância feliz. Lembrar que na Muriçoca vivemos dias inesquecíveis. Que em nossa terra também há momentos de delicadeza. Que não devemos registrar o escárnio dos que nos desprezam, mas lembrar dos amigos que o tempo corrosivo não malbaratou. Barro Duro um dia há de aceitar nosso amor e dizer àqueles que nunca jogaram uma pelada na Muriçoca que identidade não se cria da noite para o dia e que o sentimento verdadeiro da vida é o amor.