quinta-feira, 24 de outubro de 2013

POETA BARROZO


Quando o poeta Barrozo Braga fala, a alma sai de sua boca. Todos sabemos que ele é sério e honesto. Diz que “por ser sério querem lhe fazer de palhaço no circo bizarro chamado Brasil”. A rua do Comércio onde reside, em Santa Inês, é barulhenta e visa ao vil metal. Os carros andam apressados e as mães de família passam aflitas com suas contas a pagar. Mas o nosso Bardo verdadeiro não se ilude com o canto insistente das coisas vãs. Sabe que as coisas mais elevadas da vida não têm cheiro nem cor. E que tudo de bom que temos é produto da educação e das mãos sofridas de um bom lavrador. O Barrozo tem uma paixão contagiante pela arte. Disse-me que o Charle Chaplin ainda vive em seu coração. É amigo de Nauro Machado e valente que nem um cão brigador. O Barrozo tem versos fortes como uma mãe que amamenta. Nunca se calou diante da soberba de governo fanfarrão. É uma voz inconveniente para os hipócritas. Quase não sabe agradar os amigos. Uma vez fiz, com uns amigos artistas, uma homenagem merecida ao Barrozo. Ele chegou, no horário marcado, com aquela gravidade de atleta lutador que fora um dia. Era na escola Inês Galvão. As professoras confeccionaram com desvelo e com arte a reprodução de vários poemas do Barrozo. Ele falou para mim, em seu modo peculiar: “Soares, o que é isso aí ?”. Eu respondi: são seus poemas, que reproduzimos artisticamente para lhe homenagear. “Com este lacinho, Soares”. Esse é o poeta Barrozo com Z. Mais contundente impossível. Um dia eu fui à Academia de bermuda “crime fatal” Ele disse: “Estão pra vir nu”. Na residência dele tem uma biblioteca com títulos variadíssimos. Vou visitá-lo às vezes, quando estou com vontade de sofrer. Um dia fui com o escritor Jerry Martins. O Barrozo estava como no Piauí a gente chama de agoniado! Falou naquela maneira agradável que às vezes nos trata: “garotos, qual é mesmo a maior glândula do corpo humano?”. O Jerry como é sabido ficou buscando razões científicas favoráveis ao pácreas ou ao fígado. Eu não me lembrava mais nem o que era glândula, quanto mais a maior. Depois Barrozo disse, “garotos, a gramática é mesmo uma coisa absurda. Por que que casa é com S e não com Z ? Essa eu até sabia, mas eu tenho medo do Barrozo que me pelo. Ademais, sabia que ele gosta de tudo é com Z, até o nome Barrozo. Daí eu disse: “devia ser com Z mesmo. A gramática é uma vagabunda, não ligue pra ela, meu poeta.” Enfim, hoje acordei com vontade de falar desse poeta verdadeiro. Do orgulho que tenho de ser seu amigo. Você é o nosso velho Bardo e nós somos mesmo garotos diante de Vossa Senhoria.


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

EU AMO MESMO É O BARRO DURO



A pessoa que disse que “o estilo é o próprio homem” sabia o que estava dizendo. Só se muda um estilo mudando-se o próprio homem. Eu corro léguas nessa estrada infinita da memória. Salto cancelas, trilho veredas, passo rio, lagos e riacho. Ando na relva, bebo orvalho, tenho mil projetos e sonhos...Mas tenho de admitir: eu amo mesmo é o Barro Duro. Há vinte anos o amigo Clécio Catumbi tinha um bar paralelo à pracinha do abrigo, e lá era o nosso café francês. A gente ouvia música de Belchior, Chico Buarque, Gonzaguinha e saía pela rua pensando em ser rebelde. Na rua Manoel Soares Teixeira ficava a garagem da casa do Compadre Carlos Magno, onde era a sede de nossa revolução. Eu tinha vontade de mudar as coisas. Eu era um bolchevique e até o chão que pisava era vermelho. Quando me apaixonei pela primeira vez, fui Álvares de Azevedo e tinha no amor uma volúpia angelical. O chão tremia quando minha cavalaria cruzava as ruas, destituía as autoridades e impunha o meu governo revolucionário. Eu tinha tudo em minha imaginação. A vida social naquele tempo era muito mais precária, mesmo assim a gente sabia que as coisas iam melhorar. Por isso hoje não tenho nenhuma paciência com o estado de coitadismo a que se autoimpôs parte de meu povo. Não é honesto imputar ao outro a culpa pelo fracasso individual. É covarde ficar-se sempre culpando os outros pelo que não se realizou. Uma coisa que distingue os homens é a consciência. Com consciência a gente muda os rumos da vida. Se o povo se sentisse parte integrante do lugar, com um sentimento de pertencimento semelhante ao que os homens de bem tem pela família, a gente cuidaria melhor da cidade. Uma cidade pequena depende diretamente do poder público local para atender suas demandas. Vejo aqui a causa remota ou mesmo próxima das mazelas suportadas por todos no espectro social. O chefe do governo é escolhido pelo povo, mas diferentemente daquela balela de que o povo é sábio, estou convencido pelas evidências históricas que o povo é egoísta e estúpido. Por querer tirar sempre uma vantagem direta e imediata o povo explora o postulante ao poder como as prostitutas fazem com os homens ricos amantes da luxúria. Já o postulante ao cargo político anseia tanto pelo poder que se corrompe antes de assumir o governo. Vê-se assim que a coisa não vai melhorar, isto é óbvio. A Administração Pública é algo muito complexo. Não se constrói uma cidade adequadamente pensando-se apenas o plano individual ou grupal. É necessário ser atendida a dimensão coletiva. Estamos, todavia, cada vez mais nos afastando disso. As políticas públicas atuais visam a agradar o eleitor e vencer a eleição. Quem executa as políticas públicas faz de forma corrupta e desqualificada. Quem fiscaliza está preocupado com outra coisa. Assim, a ilegalidade é tão rotineira no Brasil que não espanta mais ninguém. A solução para minha terra e para o Brasil é talvez seguir o conselho de meu amigo cordelista Moizés Nobre: “trocar o povo” e não apenas o governo. Mas em todo lugar tem gente interesseira e ordinária. Por isso, prefiro mesmo é meu Barro Duro. E vou pedir ao Clécio para reabrir o bar.                                         

NUNCA DIGA ISSO, QUERIDA OLÍVIA




já li e observei a vida o suficiente para concluir, estarrecido, que só os canalhas têm sucesso na vida social. Vejo diariamente, neste país vigarista, as ditas pessoas de bem serem massacradas, no trabalho, na política, na igreja etc, por um grupo dominante de pessoas, que só quer tirar proveito pessoal de tudo e de todos na vida. De vez em quando me aparece um mestre da malandragem me ensinando que eu deveria ser mais conveniente e teatral para agradar a plateia do nosso terrível palco social. Como se eu não soubesse o que já passei nesta vida por não ser completamente um hipócrita. As pessoas em geral são desonestas e artificiais. Querem ser elogiadas o tempo todo, ainda que não demonstrem mérito algum. Não precisa combatê-las para receber delas o combate. Basta não lhes dizer que suas obras, em verdade medíocres, são geniais. Não sei quem é pior neste país, se são os intelectuais vendidos, que só servem para bajular poderosos; se são os artistas carentes emocionalmente, que o principal desejo da vida é aparecer; se são os políticos, que para ser bem-sucedidos precisam ser corruptos ou se é o chamado povo, que é verdadeiramente o que de pior existe neste Brasil. Tenho percebido, na prática, que quanto mais pobre mais ordinário. Vejo, assim, que o escritor Machado de Assis estava com razão quando disse que o oprimido não é melhor que o opressor. Não acabei ainda, na Administração Pública os piores como gente e mais incompetentes como profissionais estão normalmente nas melhores posições e nos mais importantes cargos. Todavia, o principal trabalho que executam é tentar a todo custo sufocar os que não se alinham resignados e agradar o senhor padrinho de ocasião. Já as autoridades constitucionalmente independestes vivem, em regra, de soberba e de enxugar gelo, isso quando não são corruptas. Vejo que em regra o brasileiro quer mesmo é uma boa vantagem sem precisar trabalhar nem estudar. Mas nunca diga isso em público, querida filha Olívia. As pessoas gostam é de louvação, mesmo imerecida. E deixe o povo viver o seu cristianismo, mesmo que contrariando em tudo o perfil pessoal e todas as ideias do humilde carpinteiro de Nazaré.