Quando
o poeta Barrozo Braga fala, a alma sai de sua boca. Todos sabemos que
ele é sério e honesto. Diz que “por ser sério
querem lhe fazer de palhaço no circo bizarro chamado Brasil”.
A rua do Comércio onde reside, em Santa Inês, é
barulhenta e visa ao vil metal. Os carros andam apressados e as mães
de família passam aflitas com suas contas a pagar. Mas o nosso
Bardo verdadeiro não se ilude com o canto insistente das
coisas vãs. Sabe que as coisas mais elevadas da vida não
têm cheiro nem cor. E que tudo de bom que temos é
produto da educação e das mãos sofridas de um
bom lavrador. O Barrozo tem uma paixão contagiante pela arte.
Disse-me que o Charle Chaplin ainda vive em seu coração.
É amigo de Nauro Machado e valente que nem um cão
brigador. O Barrozo tem versos fortes como uma mãe que
amamenta. Nunca se calou diante da soberba de governo fanfarrão.
É uma voz inconveniente para os hipócritas. Quase não
sabe agradar os amigos. Uma vez fiz, com uns amigos artistas, uma
homenagem merecida ao Barrozo. Ele chegou, no horário marcado,
com aquela gravidade de atleta lutador que fora um dia. Era na escola
Inês Galvão. As professoras confeccionaram com desvelo e
com arte a reprodução de vários poemas do
Barrozo. Ele falou para mim, em seu modo peculiar: “Soares, o que é
isso aí ?”. Eu respondi: são seus poemas, que
reproduzimos artisticamente para lhe homenagear. “Com este lacinho,
Soares”. Esse é o poeta Barrozo com Z. Mais contundente
impossível. Um dia eu fui à Academia de bermuda “crime
fatal” Ele disse: “Estão pra vir nu”. Na residência
dele tem uma biblioteca com títulos variadíssimos. Vou
visitá-lo às vezes, quando estou com vontade de sofrer.
Um dia fui com o escritor Jerry Martins. O Barrozo estava como no
Piauí a gente chama de agoniado! Falou naquela maneira
agradável que às vezes nos trata: “garotos, qual é
mesmo a maior glândula do corpo humano?”. O Jerry como é
sabido ficou buscando razões científicas favoráveis
ao pácreas ou ao fígado. Eu não me lembrava mais
nem o que era glândula, quanto mais a maior. Depois Barrozo
disse, “garotos, a gramática é mesmo uma coisa
absurda. Por que que casa é com S e não com Z ? Essa eu
até sabia, mas eu tenho medo do Barrozo que me pelo. Ademais,
sabia que ele gosta de tudo é com Z, até o nome
Barrozo. Daí eu disse: “devia ser com Z mesmo. A gramática
é uma vagabunda, não ligue pra ela, meu poeta.”
Enfim, hoje acordei com vontade de falar desse poeta verdadeiro. Do
orgulho que tenho de ser seu amigo. Você é o nosso velho
Bardo e nós somos mesmo garotos diante de Vossa Senhoria.
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
EU AMO MESMO É O BARRO DURO
A
pessoa que disse que “o estilo é o próprio homem”
sabia o que estava dizendo. Só se muda um estilo mudando-se o
próprio homem. Eu corro léguas nessa estrada infinita
da memória. Salto cancelas, trilho veredas, passo rio, lagos e
riacho. Ando na relva, bebo orvalho, tenho mil projetos e
sonhos...Mas tenho de admitir: eu amo mesmo é o Barro Duro. Há
vinte anos o amigo Clécio Catumbi tinha um bar paralelo à
pracinha do abrigo, e lá era o nosso café francês.
A gente ouvia música de Belchior, Chico Buarque, Gonzaguinha e
saía pela rua pensando em ser rebelde. Na rua Manoel Soares
Teixeira ficava a garagem da casa do Compadre Carlos Magno, onde era
a sede de nossa revolução. Eu tinha vontade de mudar as
coisas. Eu era um bolchevique e até o chão que pisava
era vermelho. Quando me apaixonei pela primeira vez, fui Álvares
de Azevedo e tinha no amor uma volúpia angelical. O chão
tremia quando minha cavalaria cruzava as ruas, destituía as
autoridades e impunha o meu governo revolucionário. Eu tinha
tudo em minha imaginação. A vida social naquele tempo
era muito mais precária, mesmo assim a gente sabia que as
coisas iam melhorar. Por isso hoje não tenho nenhuma paciência
com o estado de coitadismo a que se autoimpôs parte de meu
povo. Não é honesto imputar ao outro a culpa pelo
fracasso individual. É covarde ficar-se sempre culpando os
outros pelo que não se realizou. Uma coisa que distingue os
homens é a consciência. Com consciência a gente
muda os rumos da vida. Se o povo se sentisse parte integrante do
lugar, com um sentimento de pertencimento semelhante ao que os homens
de bem tem pela família, a gente cuidaria melhor da cidade.
Uma cidade pequena depende diretamente do poder público local
para atender suas demandas. Vejo aqui a causa remota ou mesmo próxima
das mazelas suportadas por todos no espectro social. O chefe do
governo é escolhido pelo povo, mas diferentemente daquela
balela de que o povo é sábio, estou convencido pelas
evidências históricas que o povo é egoísta
e estúpido. Por querer tirar sempre uma vantagem direta e
imediata o povo explora o postulante ao poder como as prostitutas
fazem com os homens ricos amantes da luxúria. Já o
postulante ao cargo político anseia tanto pelo poder que se
corrompe antes de assumir o governo. Vê-se assim que a coisa
não vai melhorar, isto é óbvio. A Administração
Pública é algo muito complexo. Não se constrói
uma cidade adequadamente pensando-se apenas o plano individual ou
grupal. É necessário ser atendida a dimensão
coletiva. Estamos, todavia, cada vez mais nos afastando disso. As
políticas públicas atuais visam a agradar o eleitor e
vencer a eleição. Quem executa as políticas
públicas faz de forma corrupta e desqualificada. Quem
fiscaliza está preocupado com outra coisa. Assim, a
ilegalidade é tão rotineira no Brasil que não
espanta mais ninguém. A solução para minha terra
e para o Brasil é talvez seguir o conselho de meu amigo
cordelista Moizés Nobre: “trocar o povo” e não
apenas o governo. Mas em todo lugar tem gente interesseira e
ordinária. Por isso, prefiro mesmo é meu Barro Duro. E
vou pedir ao Clécio para reabrir o bar.
NUNCA DIGA ISSO, QUERIDA OLÍVIA
já li e observei a vida o suficiente para concluir,
estarrecido, que só os canalhas têm sucesso na vida social. Vejo diariamente,
neste país vigarista, as ditas pessoas de bem serem massacradas, no trabalho,
na política, na igreja etc, por um grupo dominante de pessoas, que só quer
tirar proveito pessoal de tudo e de todos na vida. De vez em quando me aparece
um mestre da malandragem me ensinando que eu deveria ser mais conveniente e
teatral para agradar a plateia do nosso terrível palco social. Como se eu não
soubesse o que já passei nesta vida por não ser completamente um hipócrita. As
pessoas em geral são desonestas e artificiais. Querem ser elogiadas o tempo
todo, ainda que não demonstrem mérito algum. Não precisa combatê-las para
receber delas o combate. Basta não lhes dizer que suas obras, em verdade
medíocres, são geniais. Não sei quem é pior neste país, se são os intelectuais
vendidos, que só servem para bajular poderosos; se são os artistas carentes
emocionalmente, que o principal desejo da vida é aparecer; se são os políticos,
que para ser bem-sucedidos precisam ser corruptos ou se é o chamado povo, que é
verdadeiramente o que de pior existe neste Brasil. Tenho percebido, na prática,
que quanto mais pobre mais ordinário. Vejo, assim, que o escritor Machado de
Assis estava com razão quando disse que o oprimido não é melhor que o opressor.
Não acabei ainda, na Administração Pública os piores como gente e mais
incompetentes como profissionais estão normalmente nas melhores posições e nos
mais importantes cargos. Todavia, o principal trabalho que executam é tentar a
todo custo sufocar os que não se alinham resignados e agradar o senhor padrinho
de ocasião. Já as autoridades constitucionalmente independestes vivem, em regra,
de soberba e de enxugar gelo, isso quando não são corruptas. Vejo que em regra
o brasileiro quer mesmo é uma boa vantagem sem precisar trabalhar nem estudar.
Mas nunca diga isso em público, querida filha Olívia. As pessoas gostam é de
louvação, mesmo imerecida. E deixe o povo viver o seu cristianismo, mesmo que
contrariando em tudo o perfil pessoal e todas as ideias do humilde carpinteiro
de Nazaré.
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