Se
ainda não é inverno, o tempo é bom. Posso cantar
livremente. Não ligo se os despeitados da rua dizem que meu
canto é estridente. Eu sou um grilo, ora! Minha cantiga é
de grilo. Meu salto é sem igual. Sou um atleta em plena forma
física. Tem uma senhora lá do pé de jatobá
que pensa que canta alguma coisa nesta vida. Mas ela não canta
nada, nem representa que preste. Essa gente devia admitir logo que
sou o melhor ator de nosso meio. Eu sou um Chaplin e só a
inveja pode fazer alguém não admitir fato tão
verdadeiro. A última peça que fiz foi a melhor já
realizada no espaço indigno de nosso pobre teatro. Eu queria
montar uma Companhia que revolucionasse as artes cênicas daqui,
mas não encontro ninguém com talento para me auxiliar.
Os artistas daqui me causam enfado. Por isso, agora vou me dedicar
mesmo é à poesia. Afinal, nesta arte, todos sabem que
sou imbatível. Escrevo os melhores versos e faço as
mais espetaculares declamações. Pintei uma tela ontem
que arrasaria Monet. Saiu perfeita. Agora vou aos jardins do palácio
real. Vou subir a torre, inflar meu peito e entoar o canto mais
sublime, ainda que mate de inveja meus desafortunados rivais. Eu
tenho um jeito encantador. Meu refinamento vem de berço. Não
sou que nem esses mestiços, que pensam que são
artistas. Arte é coisa superior, senhores, não está
disponível a um povinho trabalhador. Querem compor versos nas
horas de folga. Oh! Que falta faz um bom espelho. Já meu ócio
faz-me cada dia mais criativo. Sou um poeta fecundo. Abro caminho em
tudo que piso. Elevo os lugares por onde passo. Dou vida às
instituições que visito. Agora vêm esses
grilinhos fazer barulho perto de mim. Oh que enfado, meu Deus.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
CANAPUM
Para
Lenyra
O
escritor Monteiro Lobato disse que “quem não começou
a escada da vida do degrau mais baixo nunca será um homem
completo”. Estava aqui pensando que quem nunca comeu nem estourou
canapum não pode mesmo ser uma pessoa completa. A gente tem um
vazio existencial tão grande nesta vida de coisas sérias
que às vezes precisa ir àquela velha e agradável
vila da memória estourar canapum na testa para afastar o
estresse do dia. Quando menino, a gente chamava canapum de espoca,
capucho, bate-testa. Pum pum pum canapum. A tia Maria morava na Flor
da Mescla e no quintal da casa dela havia muito canapum. Eu brincava
de guerrilha, as bombas estouravam, dizimavam os inimigos. E depois a
gente ia tomar banho no riacho da sussuarana. Meu irmão
Francisco era caçador de baladeira. Perseguia os sabiás
da beira do riacho como um Peri. Só olhava para o alto, não
via o chão. Lembro o dia em que ele pisou na jaracuçu.
Deu um grito horrendo e disparou a correr. Eu não conseguia
acompanhá-lo. Não sabia se temia pela vida dele ou pela
morte geradora de visagem, que assombrava a gente balançando
os pés de oiticica do lugar. Eu não tinha nem coragem
de olhar para saber se era alma penada mesmo ou se era o vento. Pum
pum pum canapum. A gente tinha na natureza os nossos brinquedos
coloridos. Eu espocava canapum na testa dos amigos. A gente pensava
que o mundo era pequeno e que o vovô Zuca era o melhor contador
de histórias do mundo. Hoje dizem que canapum purifica o
sangue, fortalece o sistema imunológico e ajuda a diminuir o
colesterol ruim; que tem alto teor de vitamina A e C, ferro e
fósforo. Para mim o canapum faz bem para mente e para o
coração. Especialmente quando estourado na testa. Eu
acho que não estouraram canapum na cabeça das pessoas
importantes desse país. É por isso que se vê
tanto desamor na vida social. Estou convencido de que um canapum
estourado na testa, na infância, traz mais frutos positivos
para o futuro do país do que um Ministro da Educação
com quarenta programas educativos. No quintal da minha tia havia
muito canapum. A gente sabia o que fazer para ser feliz e sadio. Mas
o que faz um Ministro com quarenta programas eu não sei.
Apenas sei que me adoece.
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