Se
ainda não é inverno, o tempo é bom. Posso cantar
livremente. Não ligo se os despeitados da rua dizem que meu
canto é estridente. Eu sou um grilo, ora! Minha cantiga é
de grilo. Meu salto é sem igual. Sou um atleta em plena forma
física. Tem uma senhora lá do pé de jatobá
que pensa que canta alguma coisa nesta vida. Mas ela não canta
nada, nem representa que preste. Essa gente devia admitir logo que
sou o melhor ator de nosso meio. Eu sou um Chaplin e só a
inveja pode fazer alguém não admitir fato tão
verdadeiro. A última peça que fiz foi a melhor já
realizada no espaço indigno de nosso pobre teatro. Eu queria
montar uma Companhia que revolucionasse as artes cênicas daqui,
mas não encontro ninguém com talento para me auxiliar.
Os artistas daqui me causam enfado. Por isso, agora vou me dedicar
mesmo é à poesia. Afinal, nesta arte, todos sabem que
sou imbatível. Escrevo os melhores versos e faço as
mais espetaculares declamações. Pintei uma tela ontem
que arrasaria Monet. Saiu perfeita. Agora vou aos jardins do palácio
real. Vou subir a torre, inflar meu peito e entoar o canto mais
sublime, ainda que mate de inveja meus desafortunados rivais. Eu
tenho um jeito encantador. Meu refinamento vem de berço. Não
sou que nem esses mestiços, que pensam que são
artistas. Arte é coisa superior, senhores, não está
disponível a um povinho trabalhador. Querem compor versos nas
horas de folga. Oh! Que falta faz um bom espelho. Já meu ócio
faz-me cada dia mais criativo. Sou um poeta fecundo. Abro caminho em
tudo que piso. Elevo os lugares por onde passo. Dou vida às
instituições que visito. Agora vêm esses
grilinhos fazer barulho perto de mim. Oh que enfado, meu Deus.
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