quarta-feira, 13 de novembro de 2013

SOBERBA DE GRILO



Se ainda não é inverno, o tempo é bom. Posso cantar livremente. Não ligo se os despeitados da rua dizem que meu canto é estridente. Eu sou um grilo, ora! Minha cantiga é de grilo. Meu salto é sem igual. Sou um atleta em plena forma física. Tem uma senhora lá do pé de jatobá que pensa que canta alguma coisa nesta vida. Mas ela não canta nada, nem representa que preste. Essa gente devia admitir logo que sou o melhor ator de nosso meio. Eu sou um Chaplin e só a inveja pode fazer alguém não admitir fato tão verdadeiro. A última peça que fiz foi a melhor já realizada no espaço indigno de nosso pobre teatro. Eu queria montar uma Companhia que revolucionasse as artes cênicas daqui, mas não encontro ninguém com talento para me auxiliar. Os artistas daqui me causam enfado. Por isso, agora vou me dedicar mesmo é à poesia. Afinal, nesta arte, todos sabem que sou imbatível. Escrevo os melhores versos e faço as mais espetaculares declamações. Pintei uma tela ontem que arrasaria Monet. Saiu perfeita. Agora vou aos jardins do palácio real. Vou subir a torre, inflar meu peito e entoar o canto mais sublime, ainda que mate de inveja meus desafortunados rivais. Eu tenho um jeito encantador. Meu refinamento vem de berço. Não sou que nem esses mestiços, que pensam que são artistas. Arte é coisa superior, senhores, não está disponível a um povinho trabalhador. Querem compor versos nas horas de folga. Oh! Que falta faz um bom espelho. Já meu ócio faz-me cada dia mais criativo. Sou um poeta fecundo. Abro caminho em tudo que piso. Elevo os lugares por onde passo. Dou vida às instituições que visito. Agora vêm esses grilinhos fazer barulho perto de mim. Oh que enfado, meu Deus.                

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