terça-feira, 18 de dezembro de 2012

AVIDEZ, UMA ESTÚPIDA ILUSÃO



Correndo se alcança a glória. Oh, estúpida ilusão! Em balde o coração palpita por uma vida impossível. Na velocidade das relações que mais propicia o choque, correr, correr, correr... Ninguém finge esta avidez ou apenas finge. Comprometidos que estão com a causa da grandeza. A frente se lhes turva. A ânsia domina a ação. Exclui o medo. Torna qualquer um impassível. O relógio vai bater e, assim, que tempo tenho para ternura? Nada justifica minha fraqueza. Tenho de chegar aonde quis meu pai, querem meus irmãos. Meus amigos esperam e os vizinhos também. Eu mesmo criei este contexto e não posso falhar. Esta avidez justifica todos os desajustes, os conflitos que tive e é a razão de toda inquietude. Parecer impávido é o grande segredo. Minhas razões anárquicas fundamentam a prática. Ser humilde é uma renúncia ao combate. Afinal, todos os poderosos são nossos inimigos. De outro modo nossa glória não seria poética. Não teria a beleza das lutas do bem contra o mal. E para confirmar meu juízo lembro dos grandes revolucionários. Nelson Mandela “ quando o Poder nega nossa liberdade, não há outro caminho para liberdade senão o Poder.” Conquistemo-lo! Martin Luther King “ O homem que ainda não encontrou uma causa pela qual valha a pena morrer não tem razão para viver.” morramos, então! Os revolucionários falam bonito! Não há como, jovem, não acreditar neles. Depois não. Depois ficamos comedidos e chatos. Vêm as leituras. Vêm as reflexões. George Orwell com aquela história de revolução dos bichos vem nos arrancar o sonho definitivamente. Que Malvadeza! Eu amava, incondicionalmente, a história de Che Guevara. É fascinante imaginar alguém cruzar a América de motocicleta. Mais formidável ainda é lutar pela revolução. Mas perceber que esta, como de resto as demais, eram revoluções de animais e quase sempre sem o charme da alegoria de Orwell. Agora perdi a pressa que tinha. Vejo que alimentei demais um juízo equivocado da realidade. “ A realidade deve ser transformada!” Ora, cale-se, seu barbudo de uma figa! Deixe de bravatar inutilmente. As palavras são bonitas...merecem mesmo sempre uns ensaios existenciais, oh Sartre. Mas as palavras formam um universo; as coisas, outro. No plano das coisas pouco, quase nada, pode ser alterado. Vejam as promessas dos últimos governos! Ninguém realiza a substancial reforma da realidade. Nem direita, nem esquerda, nem aqueles patifes, nem estes calhordas. A realidade só está aberta totalmente para as palavras. O pensador Michel Foucault disse isso em“ As palavras e as Coisas”. Fico pensando, quantos erros teria evitado sem esta terrível avidez. Mas nunca me arrependo do que vivi. Só dos erros mais extravagantes. Alguns eu queria repetir, foram deliciosos. Evitar só os de consequências duradouras. Mas vá! Quem domina o passado? Eu, nem mesmo o presente, acreditem. Mas não me esqueço de pensar nas coisas. Para isso, claro, as palavras. “ as mil faces secretas”. A dor que às vezes não sai facilmente. Tenho saudade da garagem, que era nosso clube literário da adolescência. Dos amigos que estão tão longe. Não diminuímos as injustiças. Não resolvemos os problemas da nação como havíamos prometido. Não conquistamos o Poder ainda. Mas às vezes sou feliz nas coisas cotidianas. Sem a glória da história revolucionária. Sem a avidez ingênua que tinha. Mudei um pouco de mim. Leio um livro. Vejo um filme. Ouço uma canção. A ternura eu resgatei e lembro também de Ferreira Gullar com suas palavras transformadoras. “ E dou adeus às ilusões, mas não à vida, mas não ao mundo...” , mas não a luta. Não sei por que agora esta vontade de chorar. Oh! estúpidas ilusões.

APESAR DE TUDO, MEU BARRO DURO



Apesar de apenas 25% da população adulta brasileira ser plenamente alfabetizada. Apesar de ainda haver no país crianças disputando com urubus pedaços de comida estragada para matar a fome, nos lixões. Apesar de os outros às vezes não acreditar na gente. Apesar de às vezes a gente mesmo não acreditar. É preciso sempre nutrir um pouco de esperança. Apesar da origem humilde, da luta fatídica dos pais para angariar o pão, da desilusão, que às vezes vem à porta e bate e a gente tem de se segurar em algo para não abrir e cear com ela, das tentativas em vão de mudar os outros; É preciso acreditar ainda. Apesar de a maioria não se importar com os rumos da cidade, de habitar uma caverna alegórica, como asseverou Platão, de as leis serem deturpadas e o direito suprimido; de a torcida sincera ser um momento raro, de às vezes o irmão ser o primeiro a ferir, é preciso transcender na vida. Apesar do privilégio dos príncipes e dos medalhões, dos que não precisam de tanto esforço, dos que são alçados as maiores alturas para praticar as maiores baixezas, como ensinou Ayres Britto, dos covardes que criticam quando deviam apoiar, dos oprimidos que se aliam aos poderosos contra os seus iguais, é preciso não se curvar nunca. Apesar do desânimo ser justo, das cercas impedirem o prosseguir e o direito de amar, da vilania gozar de boa reputação, do conhecimento ser negligenciado a todo instante, do desamor imperar como regra, é preciso nunca desistir de fazer as coisas necessárias. Apesar de saber que muitos não vão entender, de que muitos não vão querer, de que muitos vão combater a gente e outros não terão forças para continuar, é necessário persistir. Apesar de a gente hoje ainda ser quase invisível para o mundo, de nossa história ainda não ser muito relevante, de nossos amigos mais ingênuos achar que a gente “está vacilando”; é hora de sair da caverna de sombras e enfrentar a vida. “Embora o pão seja caro e a liberdade pequena” como disse o poeta Maranhense, LUTAR POR UM IDEAL DE JUSTIÇA E FRATERNIDADE sempre vale a pena. A alegria dos pais é impagável. O orgulho dos filhos e irmãos é indescritível. Como o grande mestre Jesus, a gente olhar o trabalho de nossas mãos e ficar satisfeito. A partir desse dia será impossível ficar indiferente, vendo um país que tem apenas 25% de sua população adulta plenamente alfabetizada e que crianças ainda se alimentam do lixo. Apesar de tantos obstáculos que a gente tem de vencer nesta vida, de tanto choro contido, e às vezes de tanta dor no coração...Apesar de tudo, é sempre possível a gente fazer um pouco melhor.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ANA BEATRIZ



Minha menina, você nasceu em 19 de dezembro de 2011. Depois de você é como diz a canção: “os outros são os outros e só”. Posso até dizer que antes eu já conhecia o amor, uma vez que amo verdadeiramente sua mãe Aline, sua avó Brasilina, seu avó Luís, sua tia Maria e seus tios Manoel, Francisco e Edílson. É verdade que também amo alguns bons amigos e minha terra, quase natal, Barro Duro. Mas nada se compara a você, minha pequena. Fico comovido só de olhar para você. Esta história começou quando o testezinho da farmácia registrou dois tracinhos. Você já estava ali. A barriga de sua mãe em pouco tempo começou a crescer. Nós tínhamos tanto cuidado. Você foi gerada no Maranhão. Mais precisamente na rua do Milho, nº 88, centro, Santa Inês/MA. Você é geneticamente o prolongamento de mim e de Aline. Dos meus gametas e do sopro divino a vida se fez, e isso, minha filha, é algo espetacular e está muito além de qualquer coisa nesta vida. Você nasceu em Teresina, na maternidade Santa Fé, às 7h15min. Fiquei no apartamento esperando-a, não tive coragem de ver o parto. Foram os momentos mais demorados de minha vida. Mas logo você chegou. Tive, sem exagero, a maior emoção de minha vida. O meu bebê comendo os dedinhos e só esperou o peito da mãe chegar, para mostrar que já sabia mamar. O leite materno foi seu único alimento até os seis meses. Depois começaram as sopinhas, um dia carne, um dia frango, um dia peixe, um dia fígado. A primeira colherada sua foi a daquela foto que você está com a boca amarela. Você começou viajar bem cedo, Teresina, Timon, no restaurante da Geane, pausa para o almoço, sua mãe trocava sua fralda e você dava uma demorada mamada, Caxias, Códo, Peritoró, Alto Alegre do Maranhão, Bacabal, Pio XII, Bela Vista e finalmente Santa Inês, onde seu velho trabalha. Era muito tranquila, sorridente e quase não chorava. Demonstrava gostar muito da música que tocava no carro do papai para distrair na viagem. Depois ficou em definitivo em sua terra natal Teresina e só viajando, toda semana, para o nosso Barro Duro e para São Pedro visitar os avós. Vieram os dentes e o sorriso ficou mais lindo e constante. E uma semana antes do primeiro aniversário deu os primeiros passinhos. Nem preciso dizer que sua primeira palavra foi “papa”, é claro que as consoantes bilabiais explosivas ajudam um pouco nessa hora. Eu penso mil coisas para você, mas desejo mesmo do fundo do coração é que seja decente. Não importa se será advogada, médica, bailarina ou escritora. Importa que seja decente, minha filha. Pessoas decentes não desprezam gente humilde, nem se agasalham de qualquer jeito ao lado dos mais fortes. Gente decente estuda com afinco e trabalha com devoção para melhorar a vida dos outros. Não hesite em dizer não quando necessário. Cumpra os pactos que fizer. Reconheça quando errar e mude de rumo. Não acredite se alguém disser que você não é capaz de realizar algo. Não fique vaidosa se realizar coisas importantes. Nunca se envergonhe de sua história. Faça trabalhos voluntários para ajudar sua comunidade. Não esqueça que seu lugar é Barro Duro e que Jesus é seu senhor e seu Deus. “Você é minha semente de tudo, eu vivo a partir de você ”. Feliz aniversário.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O CACHORRO E O PORCO




Diz-se que era uma vez um homem que tinha dois animais de estima pessoal: um cachorro e um porco. Ao que se sabe o cachorro é o mais solidário dos quadrúpedes da terra. O que já lhe legaria uma reputação de peso. Mas não param por aí suas virtudes. É companheiro. Luta pelo seu senhor, ainda que com manifesto risco próprio. Tem ótimo humor. É o guarda fiel que nunca abandona o seu amigo, mesmo que este esteja fragilizado. Mesmo quando todos se vão. Ter a companhia de um cachorro é ter a certeza de que nunca se ficará sozinho. E ter um amigo de verdade para juntos gozar a vida e eventualmente compartilhar as dores é um luxo inefável. Ninguém, com o senso de prudência ainda no comando, pode prescindir dessa dádiva dos céus para enfrentar os desafios constantes da vida. O cachorro é sempre um amigo verdadeiro. Um amigo verdadeiro é sempre um cão acostumado a nos acompanhar em toda travessia. Seja na luta sem vitória. Seja no choro de um sonho frustrado, que nem sempre se diz covardia. Seja no recomeçar várias vezes. Seja no acreditar que, quando menos, temos um bom amigo para dividir a dureza desses dias. Já ninguém ignora que o porco é um fanfarrão. E que blasona de valente, poderoso e amigo sem o ser. Preocupa-se apenas com sua própria porção. Ainda que de comida suja. Quer estar mordendo o tempo todo, mesmo que na lama. É barulhento. Fétido e covarde. O porco é leviano por natureza. Se a gente sangrar e perder a alegria, ele vai atrás de ração em outras cercanias. Não importa o quanto engordou sob nosso cuidado. É o seu destino suíno. Movido pelo seu instinto pantagruélico, devora tudo que se põe em seu caminho. Diz-se que o homem mantinha os dois animais com a mesma atenção e carinho. Mas o porco não fazia caso dele e só se interessava em tirar algum proveito daquela relação. O homem aprendeu muito com as características daqueles animais e ficou sábio. Percebeu que, não importa o que se faça, o estilo do porco nunca muda e ele nunca vai deixar de ser egoísta e interesseiro. Também já tive muitos amigos desse estilo. Por isso, hoje me resta pouca ração de paciência com essa classe. Agora só dedico tempo para amizade com verdadeiros companheiros. Que sejam leais como os cães. E saibam distinguir bem para que servem os amigos. 


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE CULTURAL



Cultura é toda obra ou engenho humano. Assim, cultural é tudo que se constitui como produto do trabalho material ou intelectual do ser humano. Entenda-se, neste contexto, a dimensão cultural como antítese das manifestações e estados da natureza. Nesta toada o que vem do homem é cultural e apenas o que promana da natureza não se configura como seu mister. À guisa de discorrer acerca do aniversário de meio século de nosso Barro Duro, fico a pensar naquilo que pode ser entendido como sendo efetivamente caracteres de uma identidade cultural local. Barro Duro possui, em 2012, uma população de apenas 6.609 habitantes, fica relativamente próximo da capital do estado e sente diretamente a influência cultural da televisão e da internet. Que seria, nesse diapasão, cultura genuinamente barrodurense ? Espero que os estudiosos do futuro respondam esta singela indagação. Cumpre-me aqui esboçar o que percebo na vida cotidiana local e pedir ao bom Deus que o homem barrodurense de hoje e do porvir realize mais na dimensão cultural e consolide em nossa memória uma evidente identidade cultural barrodurense. Domingo no campão tinha Faveiras & Fluminense. Não havia grama no campo, mas um barro vermelho, onde o lateral esquerdo do Faveiras, Ernandes Feitosa (o Nana), levantava a poeira e a torcida com seu carrim espetacular. O Alonso da dona Mundica era forte como um touro espanhol e dominava a lateral direita do campo, daquele lado das mangueiras plantadas pelo seu Fernando. O Carlos do Fransquim era o nosso orgulho esportivo, genial e veloz, era o goleador contumaz do Fluminense e da seleção de Barro Duro. Eu e meu irmão Manoel marcávamos o campo com a cal da construção e ganhávamos o dinheiro do ingresso na danceteria do Evandro (hoje do Leonardo). A matinal de carnaval no “Calcaroama clube”, o encontro dos amigos “ Se você fosse sincera ô ô ô, Aurora”. Quem tivesse de cabeça raspada era guerreiro desbravador dos portões da UFPI. Na semana santa, a gente gaseava as aulas de segunda e terça-feira para chegar mais cedo a Barro Duro. Corríamos para barragem do Riacho Seco, de BMX. O Tebinha do seu Chico Dama levantava o pneu como ninguém. Na cidade, o baile da escolha da rainha da CNEC provocava frenesi. A Diretora Jesus Pessoa tinha o talento de mandar sempre a mais bela da escola para o certame. Os festejos de junho enchiam o centro de barracas de palha, onde os ébrios bradavam riquezas que não tinham. Os grupos de jovens da igreja católica realizavam os banhos, que nada tinham de sacro. O bairro Floriano com seu chilandê, O louvorzão da igreja Batista, o culto na feira da Assembleia de Deus, “O nosso clube da esquina” da praça da matriz. A política local sempre cheia de paixões. O que pode ser, enfim, nossa cultura ? Na dimensão imaterial Barro Duro é diferenciado e único. Se for traçar o perfil de um barrodurense original lembro-me logo do olhar altaneiro. A alma barrodurense não pode ser vista por um olhar apressado. É necessário reunir mais elementos sob pena de ser superficial e, assim, equivocado. À primeira impressão, o barrodurense é vaidoso e sem modos (alguns realmente o são, mas não representam a generalidade de nosso povo). Tem-se em alta conta, sem ampara na realidade dos fatos, e é bisbilhoteiro por natureza. Acha-se mais inteligente do que efetivamente o é e tenta demostrar além do que realmente possui. É de um estilo afetado e etnocêntrico. Alguns sofrem quando não podem segurar esta pose. Têm famílias que acreditam compor uma elite local. Apesar de ocupar os mesmos espaços populares, vestir as mesmas roupas, comer as mesmas comidas e falar o mesmo coloquialismo rude; pensam-se superiores e demonstram isso no olhar. Estes são cerceadores e tentam dividir nossa gente por castas. Todavia, com um olhar atento e compassivo, próprio de quem ama, vejo meus irmãos de Barro Duro gentis, afetuosos, prestativos, boa conversa, alegres e com as mãos estendidas para a amizade. Esse Barro Duro toca fundo. A gente não consegue se desvencilhar. Todos são menoscabados na vida de um jeito ou de outro; por uma pessoa ou por outra ora. Por que guardar magoas de nosso lugar ? Eu não guardo nada negativo de meu Barro Duro. Só lembranças doces de um lugar em que sou mais feliz no mundo. Onde tenho centenas de amigos. Cada um com seu jeito. Alguns realmente ordinários, mas é minha gente. O povo de quem eu gosto. O lugar onde quero sempre estar, que povoa minha memória quando fico a matutar. Terra do Cajuí, do Cheiroso, “de encantos mil” para teus filhos que compreendem tua essência. És a melhor parte de meu mundo e tenciono em ti educar minha Ana Beatriz. Que Deus salve Barro Duro em seus 50 anos.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A PAIXÃO DOS MENTECAPTOS




Os mentecaptos não carecem de emoção. A razão é fugidia, mas o coração é um guia seguro. Então, o folclórico Buti saía batendo sua lata de goiabada vazia pelas ruas de nosso Barro Duro, despertando os homens do sono, anunciando que a vida corria mundo afora: "Brasília! 9 horas, a imprensa da capital federal acabou de divulgar mais um boletim sobre o estado de saúde do presidente Tancredo Neves..."Já o pernambucano Floriano caminhava aflito no mercado municipal, balbuciando delírios de amor passado, mas consciente de que queria viver e morrer em nossa terra. Só o amor transcende os espaços intangíveis da memória e alcança um local seguro em que nem a alienação mental faz o homem de sua terra se desprender. Em 05 de dezembro de 1962, as leis conferiram ao nosso lugar o status de município. "Aqui sempre foi bom", dizia-me com emoção o mestre Umbelino Cordeiro do Nascimento. O município chega a meio século de emancipação com muito a ser feito no tocante à execução de políticas públicas. Mas, às vezes, temos a impressão ingênua de que a vida está completa. Em dezembro os encontros dão o tom colorido da emoção. A gente fica com aquela sensação de que é possível melhorar a vida das pessoas daqui. Nossa terra querida onde até os mentecaptos cantam e de onde jamais tencionam sair. Salve Barro Duro de nosso coração. "Os poetas e cronistas esquecidos" jamais se esquecem de ti, amado lugar. Nem que a luz se apague ao meio-dia, nem que a lua perca o romantismo original, nem que para o amor não aja uma recompensa, este é meu canto de alegria por teus dias, minha terra querida sem igual.                   

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MEU AMIGO JOSÉ


                                                                 
Já disseram que uns leram da vida um capítulo, outros o livro inteiro. Já o Zé Geraldo diz
que quem nasce Zé não morre José. E o grande José Mauro de Vasconcelos disse que ninguém é José à toa. Pode ser que esses pensamentos estejam certos, mas pode ser também um equívoco desses que às vezes amamos.Lembro-me agora dessas coisas porque estou na solidão da escrita. Pensando em minha terra como faço todos os dias de meu Deus. Neste cinco de dezembro de sol e de desejos tão pungentes.Aqui de meu nada político em que só posso homenagear Barro Duro em pensamento. Faço, assim , o meu dever de filho preterido das paixões telúricas, mas que não esvaece do coração aquilo que o fez amar. Precisamente por isso, por está a pensar na essência da terra e não nessas banalidades passageiras, foi que me lembrei de meu amigo José. Era no tempo da cheia do Mucambo. Nascera uma criança cuja mãe, olhando-o com ternura, lembrou-se do pai de Jesus e resolveu chamá-lo José. “ Este nome esta cruz que carrego”, como dizia a canção. Foi para vida de corpo e de alma. 100% de corpo, 1000% de alma no peito e na passada de andarilho. O José guia de cego. O quebrador de coco. Trabalhador do eito. Migrante... O José da construção. O garimpeiro. O soldado. O de ofício topado, amante da liberdade, o grande filho de Valtaire. O José de visão de águia. Viajante das asas do condor. O pensador. O artista. O veemente orador: “ você está me entendendo?... Você está me entendendo?...” Como eu entendo, meu amigo. Você que tem tanto para dizer. Você que viveu e refletiu. Tanto tem me ensinado que só tenho a lhe agradecer. Você que ler a vida com lentes de precisão. Sabe tanto da vida e de sua terra que sempre se permite um pouco mais aprender. Não faz como estes que por pensarem saber passam a vida sem aprender. Isso também aprendi com vossa senhoria, que compreendeu Sócrates e João Guimarães Rosa neste mister. Quero lhe fazer um pedido. Você que é leitor da vida e dos livros, possa então nos perdoar. Por não lavarmos nossa mente com sabedoria. Por aceitar governos incultos. Por desprezar quem tanto podia ajudar. Você nasceu Zé, mas para mim morrerá: José, o que ler o mundo. Leu o livro inteiro. Ninguém é mesmo José à toa. Um aperto de mão, meu amigo. E viva o ingênuo Barro Duro. Neste cinco de dezembro.               
                                               JOSÉ SOARES LIMA
                                               TERESINA, 05 DE DEZEMBRO DE 2009.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A ENXADA E O LIVRO



 
Um pensador já disse que o homem é um ser simbólico. Bela e sábia constatação. É através do aspecto simbólico que, ao longo de toda a história da humanidade, alguns dominaram a consciência coletiva e impuseram ao povo seus cruéis e inconfessáveis desígnios. O símbolo é consorte do interesse, este sim é que move o mundo. Todas as ideologias e causas têm, como pano de fundo, o interesse de uma pessoa ou de um grupo. Para ser mais cotidiano, vou lembrar dos símbolos e imagens, abstratas ou concretas, tangíveis ou intangíveis, que povoam o nosso dia a dia em Barro Duro. Antes quero falar da razão de umas coisas darem certo e outras não na sociedade. Quando busco na memória uma ideia (ou coisa) que deu certo e mereceu acolhida de todas as gentes, lembro do CAPITALISMO. Na concepção mais popular, capitalismo é um sistema de liberdade em que o mais arguto aufere maior lucro e vantagens na relação com as outras pessoas, seja no âmbito do mercado, seja nas demais relações da vida social. É instintivo, foi talhado na essência da natureza humana, nesse desejo invencível para uns de querer sempre se dar bem e tirar vantagem em tudo. Aqui predomina a paixão por somar e multiplicar. Praticamente não é uma ideia e sim uma coisa natural. O SOCIALISMO é uma coisa que não deu certo. Era uma ideia bonita, mas contrariava a essência da maioria dos homens. Inclusive de muitos que se autodenominam socialistas. As pessoas nutrem grandes reservas em relação as operações dividir e diminuir. Por isso, lembrei, nesta manhã, ainda na esteira da eleição municipal, que o símbolo socialista do martelo e da foice (proletariados e camponeses) era uma grande balela. As classes mais simples nunca comporão governo algum. O flerte com as massas guardam sempre o recôndito propósito de seduzi-la para, em seguida, lhes manipular. Os símbolos opostos que povoam minha memória em Barro Duro são A ENXADA E O LIVRO. A primeira representa a atividade rural. A serra do Cipó era a montanha de Sísifo. O trabalho fatídico e honesto de lavrar a terra, cuidar do gado e esperar em Deus a bendita chuva para produzir a vida que é possível ter. O livro, em nosso caso, representava o acesso ao mundo do conhecimento e uma maneira de adquirir uma profissão intelectual. Mas vê-se que no tocante à eleição em nosso lugar nem o livro nem a enxada, nem o trabalho nem o estudo são coisas determinantes para vencer na política. Nisso contraria tudo, absolutamente tudo que aprendi. Meu pai me ensinou que se vence na vida pelo trabalho ou pelo estudo. Em política isso não tem se revelado verdadeiro. O interesse imediato é o motor da compra de voto. Para o povo, o amanhã não existe. Porém, minha luta é esta: mostrar que o amanhã existe e deve ser construído no hoje.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

MINHA COMUNIDADE




O chafariz da rua do Tiro tinha água boa de verdade. Naquele tempo (1985) eu tinha dez anos. Carregava um balde não muito grande, mas era preciso buscar água para viver. À tarde, 17 horas, a caixa d'água central enchia, transbordava sobre nossas cabeças. Era um banho delicioso. Alegria de criança, que sabia enfrentar a luta da cidade. Cresci e moro ainda hoje no bairro Floriano, na casa de minha grande mãe Brasilina e meu pai Luís. No tempo de minha infância, morava ali, no pé do moro, um senhor chamado Floriano. Dizem que era de Pernambuco. Descendia de uma família importante, na terra de Bandeira, e foi o infortúnio da vida que o fez parar ali. Teve a sorte sofrível de um Quincas Borba e saía pelas ruas de Barro Duro praguejando a ex-consorte de “rapariga da peste”. Mas as pessoas de outras partes da cidade chamavam nosso bairro apenas de rua do Tiro. Era a forma pejorativa que as pessoas encontravam para desprezar nossa periferia. O nome rua do Tiro também decorre de um evento trágico. Foi um tiro acidental que aconteceu quando dois primos meus brincavam com uma espingarda, pensando estar desmuniciada. Todavia, nós da rua do Tiro (bairro Floriano) não nos sentimos diminuídos em face do escárnio do povo de fora. Floriano é nossa comunidade. Lá o morro nos deixa mais perto do céu. Naqueles montes cacei preá de baladeira. Peguei lambu de arapuca. Comi crioli, maria-preta, ameixa braba e jatobá. Acordei com o tambor do Divino da dona Chica, vendedora de tempero. No canto do chilandê de seu Manoel Chocha tive o beijo da primeira namorada. No campo do vasco, ninguém era páreo para nós. O açude era o limite com o território alienígena. Do Floriano eu já cortava caminho e saía na Buritirana para ir ao meu riacho Mucambo. A pescaria completava nossa vida naqueles tempos difíceis e bons. Jamais sairei daí, meu amado Floriano. O melhor lugar do mundo é onde o coração está e o meu sem dúvida alguma está aí.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

AS IDEIAS E OS FATOS



É verdade que muita coisa compõe a vida social. Falar de tudo seria inútil e decerto cansativo. Assim, importa aqui discorrer de forma mais contundente acerca de duas dimensões da realidade, quais sejam: o mundo dos fatos e o mundo das ideias. Aquilo a que o pensador Francês Michel Fulcault denominava “as palavras e as coisas”. E, levando em consideração a sabedoria popular, posso dizer que as ideias conduzem ao velho adágio: FALAR É FÁCIL. E as coisas conduzem à dura realidade da advertência pungente: “CAIR NA REAL!” Em nosso Barro Duro, até aqui, os homens e mulheres de ideias não significam nada para cidade. Compõem o res nata romano na política local. Vivem de cogitações vazias que jamais, até aqui ao menos, demonstraram um fio sequer de efetividade no mundo dos fatos. Fala-se de democracia com desenvoltura. Aponta-se, com arte até, a incompetência dos políticos locais. Falam de coisas, mas vivem apenas na dimensão das ideias, mantendo um distanciamento tão grande da vida cotidiana de Barro Duro que é mesmo impossível, assim, cometer erros. Por outro lado, alguns conterrâneos resolveram viver no mundo dos fatos. Aqui as coisas realmente acontecem e esta dimensão da vida social não admite bravata. O senhor Elói, o senhor Deusdete, o senhor Chico Pereira, para citar apenas os mais notáveis, são certamente as pessoas mais amadas e detestadas de nosso Barro Duro. Não poderia ser diferente. Eles estão e estiveram sempre em posição de luta. Erraram muito sem dúvida, porque estão no desconforto da chuva de que nos falara o grande Martin Luther King. Vivem no mundo dos fatos e são importantes em nossa terra. Pessoas representativas da dimensão coletiva, que não ficaram apenas no conforto da vida privada, criticando covardemente os que enfrentam as dificuldades da vida real de Barro Duro. Quero penitenciar primeiro a mim mesmo, confessar-me arrependido de meus erros (típicos de quem só conhecia o mundo político pelo âmbito das ideias). Esse ar impoluto de quem não se envolve na vida da cidade é uma ilusão arrogante. Não admiro mais tanto os teóricos da vida social depois que conheci os práticos, os presentes, os que estão embotados de poeira e barro e, por isso, não podem se apresentar limpinhos e cândidos e unânimes em face da opinião pública. Acho que agora completo minhas reflexões no tocante às DIMENSÕES REPRESENTATIVAS da vida de nossa cidade. E a conclusão a que chego contraria até meu próprio pensamento expresso até aqui neste Blog. Ninguém tem mais legitimidade em Barro Duro do que esses senhores e senhoras que aí estão na batalha diária junto com o povo. Ninguém é mais do que eles, porque eventualmente leu um livro ou outro a mais. Na verdade, hoje acho que todos os que vivem sem se envolver com a vida político-social de Barro Duro são bem menos que nossos políticos guerreiros de Barro Duro, que afinal de contas são quem realmente ajudam o nosso povo. Pela luta diária que têm em meu Barro Duro, quero parabenizar: o senhor João Cota, a senhora Ceiça do Riacho Seco, o Juva, Chico Pereira, a professora Judite, o Júnior do Valdimir, Elói, Jesus pessoa, Irisvaldo, Alberto Leitão, Berval, Rogério, Jesus Parente, Virgílio, Juvenal, Odésia, Douglas, Deusdete, João Paulo e outros. A partir de agora estarei com vocês na luta da vida cotidiana de Barro Duro. Consciente de que FAZER é mais honroso do que CRITICAR os que fazem pela nossa terra.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

MURIÇOCA, NOSSO CAMPO DE BOLA



O Garrincha era mesmo um craque espetacular. Lembro com muita saudade de nosso time. Goleiro Coquito, lateral direito, Hélio Galvão, esquerdo, Barão; sagueiro Du, volante (bom e zangado) Mazim do Gonzaga Branco, ponta direita, Ratim; esquerda, Tioiu; meia-direita, Dail; meia-esquerda, "Burrego", (o autor deste Blog); Atacante goleador, Garrincha. Na reserva, porque apesar de craque era muito pequeno, paulim Baia ( nosso João Paulo Soares). Esse era o inesquecível e imbatível time do Dail de seu Louro. Sábado pela manhã éramos os senhores da Muriçoca, território do time do Renato da Célia, irmão do Senade, craque na canhota. Às vezes, depois do jogo, eu ia para barragem do Riacho Seco e só voltava para ir para a danceteria do Leonardo. A mamãe ficava furiosa! Fazíamos a cidade inteira: campo do hospital, campo do açudim, campo da usina, campo do cambiar, campo da puaca, campo do vasco, campo do Riacho Seco e campão. A vida parecia ser mais simples. E a gente, naquele tempo, não tinha tempo para sofrer. Muriçoca virou bairro, outros campos não existem mais. E eu sentia naquilo tudo um cheiro de eternidade. Que ilusão às vezes a vida impõe às crianças. A vida nos conduziu por outros campos e aquela ternura da Muriçoca ficou apenas na memória. Mas esses campos formaram nossa identidade barrodurense. Por isso, talvez, vejo Barro Duro como o lugar mais significativo de minha vida. Quero sempre pisar esse chão da minha infância feliz. Lembrar que na Muriçoca vivemos dias inesquecíveis. Que em nossa terra também há momentos de delicadeza. Que não devemos registrar o escárnio dos que nos desprezam, mas lembrar dos amigos que o tempo corrosivo não malbaratou. Barro Duro um dia há de aceitar nosso amor e dizer àqueles que nunca jogaram uma pelada na Muriçoca que identidade não se cria da noite para o dia e que o sentimento verdadeiro da vida é o amor.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

UMA MÚSICA





Tudo que buscamos é a paz. Dentro e fora de nós. Na mais sublime canção que sempre embala nossa vida. Eu procuro nas canções as belas histórias. A música diz dos outros e diz de mim. Promove os encontros e dá razão ao clichê de que embala os corações.
Não entender de música senão as histórias talvez não seja de todo ruim. Permite a liberdade de discorrer, comovido, dos ritmos que encantam sem o saber por quê. Sinto-me assim com Beethoven e suas sinfonias genias. Amo, pois, o ritmo, o arranjo, as ondas voando e ligando diferentes pessoas às mesmas emoções. Admiro a concentração dos músicos, cujo instrumento e a canção lhes constituem o universo. Mas o que adoro na música mesmo são as histórias!
Uma música faz recordar o que fomos. O que o tempo impiedoso malbaratou. Uma que dizia que “amor igual ao teu jamais encontrarei” passou como uma nuvem no sertão. Outra que diz que”o meu lugar é onde você quer que ele seja”, não foi. Mas eu me lembro muito bem... “ respeitar as lágrimas. Mais ainda as risadas”. “Ter também a palavra certa pra doutor não reclamar”. Partir para a cidade proibida. Lembrar que o tempo não para mesmo. Enfim, compor as histórias e levar as lembranças. Eu sempre gostei de música!
João Cabral de Melo Neto, poeta bom, dizia não gostar de música. Para ele, ela o fazia dormir. Ele gostava de algo que o fizesse acordar. Talvez por isso fosse tão lúcido, mas um pouco radical, não? Confessava gostar, todavia, das canções populares de Pernambuco. E nisso tinha toda razão, são ótimas! Mas a música também faz acordar. Vejam as canções engajadas, após o trinta e um de março de 1964! Literalmente a música acorda. Em Teresina, o ano era 1995, o espetacular radialista Dom Severino Neto ( onde estás? ) despertava-me com seu madrugada mirante. Músicas fantásticas do Brasil e do Maranhão.” Era legal merrmo! “ Que locutor! Que saudade, velho Dom!
Há também as penetrantes melodias e vozes do Cantor. “ sempre hei de suplicar mais perto quero estar, mais perto eu quero estar, meu Deus de ti”. Quando ouço este suplicar, recordo meu primeiro amor. A música nos aproxima. Não devemos nos afastar. Estava certo o grande de Itabira. Agora vou parar de escrever um pouco. Este texto, não sei... Mas as recordações me comoveram. O homem comovido é um bobalhão. O raciocínio cede à emoção. As glândulas dilatam. O fio encurta , o peito fracassa e os olhos amargam como fel. Recordo as canções que me motivaram para a luta. O compositor é meu herói. Assim, pude transcender. Reconhecer nessa arte de pensar a minha própria história. Seguir os passos de meu avô Alexandre, que lia e contava histórias aos seus pares num tempo em que ler era um privilégio dos ricos.
A música decerto fez de mim o que sou. Este reflexo comovido. Não canto em público nem toco instrumento musical, mas extraio de todas as artes as histórias da vida. Uma música agora vai bem. Quem sabe me traz uma história. Quem sabe aquela recordação adormecida. Vamos, então, à música.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

UM POUCO DE BRISA




Só quando subimos a montanha e percebemos que nada de bom aconteceu, acreditamos que a razão de tudo estava mesmo no caminho. Eu estive em São Paulo no natal de 1996. Era a primeira vez que eu subia aquela montanha. Não estava muito feliz de estar ali. Toda a vida que conhecia havia ficado para trás. Talvez se tentasse compor um poema naquele natal, o primeiro verso seria assim: “vou-me embora para Barro Duro”, uma vez que o imaginava, como a Pasárgada do poeta Manuel Bandeira, o espaço onde eu podia realizar tudo aquilo que o presente de então negava.
Parece que acreditei naquela história de que “ aqui faz calor, mas também tem brisa”. É uma ilusão pensar assim. Hoje tenho saudade de São Paulo. A velha Pauliceia ainda desvairada. Da estação Armênia, Ponte Pequena, onde vi a vida ser tão dura. A banca de revista: meu trabalho, minha leitura, minha dor. O vendedor de café, o Ceará, grande amigo, que provavelmente jamais o verei novamente. O taxista Osvaldo não deixava a noite ficar melancólica. Detestava os tenros e o estúpido Magrão, seu concorrente de praça. Um velho advogado aposentado ia me contar as últimas da política. Incrível, mas parecia o noticiário mais recente. Sempre várias bandeiras particulares mascaradas por uma grande bandeira pública. E tinha os garçons das casas chiques da noite paulistana. Um pizzaiolo que fazia a caridade de nos oferecer uma fatia de sua pizza deliciosa. E os moradores de rua a nos dizer que há sempre uns mais infelizes ainda.
Queria voltar para o Piauí ainda que no lombo de uma onça como pensara o compositor maranhense. Foi possível realizar este pequeno desejo. Mas nunca o de fazer tudo o que eu quis. Às vezes, em junho, quando faz um pouco de frio aqui no sítio, lembro-me daquelas noites na avenida Santos Dummot com a Tiradentes e a avenida do Estado. Faziam ali o meu triângulo na Armênia. A noite era grande demais. Pensava em tudo. Lia as revistas. E queria que a vida fosse diferente. Ao romper da aurora, pegava o ônibus do Jardim América e seguia para Itaquaquecetuba dormir o dia inteiro na casa de minha querida irmã Maria. O dia para quem trabalha à noite é o tempo que não existe de Santo Agostinho. Parecia o mito de Sísifo, que consistia em passar o tempo todo a rolar uma grande pedra para o píncaro de uma montanha para em seguida ao arremesso voltar à fatídica rotina. Mas algumas emoções vivi naquele tempo. Quando fui ao viaduto do Chá ver o teatro municipal. Fiquei paralisado, “ foi aqui...! Mário de Andrade e sua turma”. E a arte não seria mais a mesma. Eu não seria mais o mesmo. O grande pássaro da liberdade por ali passou. O grande condor dos Andes. E eu vi.
No Largo São Francisco, a gravura de honra aos poetas : “ Aqui estudou Castro Alves”, “ Aqui estudou Álvares de Azevedo”. A Faculdade de Direito que também viu passar Miguel Reale. E eu só queria voltar para o meu riacho. Banhar numa água fria. Conviver perto dos que não são eminentes, mas sabem cativar com as próprias vidas. Pablo Picasso uma vez se referindo ao pintor francês Paul Cézanne disse “ Ele foi meu único mestre”. Fico feliz porque comigo não foi assim. Sempre tive muitos mestres na arte de escrever. Mas não só os grandes me fascinam. Admiro os mestres da vida com simplicidade. Aqueles que não procuram um fim, mas um caminho. É assim que encontramos um pouco de brisa. E, por isso, as coisas mais importantes podem às vezes não constituir nossa prioridade. Às vezes a cidade mais importante do país não é a mais importante para nós, naquele momento. Só o doce caminho escolhido pelo amor pode satisfazer nosso vazio de significado. Eu tenho mil razões para dizer não, mas eventualmente vou dizer sim. E sei que esse dia valerá a pena. Vamos então curtir a brisa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O MENINO E O RIACHO






A meu irmão Manoel



Quando eu tinha quinze anos li o livro “O velho e o mar” do escritor Ernest Hemingway de Illinois. Era a história de um velho pescador de grandes peixes. Chamava-se Santiago e tinha muita dignidade. Fiquei encantado imaginando o grande espadarte que ele pescara e comovido com a bela história que lera. Em 1954, Hemingway ganhou o prêmio Nobel de literatura. Dizem que muito em razão daquela história de pescador. Muitos anos depois, li que o mesmo escritor dissera uma vez que se a gente quiser ser escritor, precisa viver os nossos futuros livros.
Assim, já vivi esta história que agora escrevo, há muitos anos. Foi no tempo em que eu era pescador. Nunca tive barco nem conhecia o mar. Minha pescaria era no riacho com o Fernando e o Christiano. Jamais pesquei por diversão. Essa atividade era parte da nossa luta diária pela sobrevivência. Meu pai estava de repouso após a terceira cirurgia no ureter, que é cada um dos dois canais que conduzem a urina de cada rim à bexiga. Meu irmão mais velho, o Mateus, trabalhava que nem um condenado das galés para sustentar a gente. O Eduardo era pequeno e mamãe cuidava dele e ia buscar água no chafariz.
_ Já tá na hora, Mateus.
Era a mamãe acordando o pobre do Mateus para o suplício diário dele naquela terrível pedreira. Ele era o meu herói. Não só por que me alimentava, mas porque era mesmo. Trabalhava o dia inteirinho e à noite ia pra escola e ainda era um dos melhores alunos. Nem é preciso falar de sua honestidade, era o exemplo para todos os garotos do seu tempo. Foi o maior velocista de nossas cercanias. No futebol, era o mais veloz do seu time e fazia sempre muitos gols. Era o orgulho de meu pai, que não estava podendo trabalhar naquele tempo. Em verdade, era o orgulho de nós todos.
Ele me levava para o campo no domingo. Fantástico! Como ele conseguia conduzir tão bem a bola
naquela velocidade superior? Corria o jogo todo. Lançava, driblava e fazia gol. Quem o visse na tarde de domingo naquela correria não imaginava que, cinco horas da madrugada, a mamãe estava lá, impreterivelmente:
_ Mateus, já está na hora, meu filho.
Depois de uma hora que o Mateus tinha saído era a minha vez:
_ Acorda, Carlito. Antes que a fila aumente no Chafariz.
Tinha de levantar e ainda ir buscar um balde d'água no Chafariz. Para mim era uma tarefa penosa para realizar às seis horas da manhã. Eu não tinha a disposição do Mateus para o trabalho. Mas também não ousava desconsiderar uma ordem enfática da mamãe. Era sanção na certa. Chegando no chafariz já encontrava o Fernando e o Christiano na fila.
_ E aí, que hora nós vamos hoje?
_ Depois do almoço.
Todo dia a gente só ia mesmo depois do almoço, mas era o nosso jeito de dizer bom-dia. Naquele tempo a gente não se tratava por doido, maluco ou coisa que o valha.
_ Lá vem ela, Carlito.
Era a Rosa, minha flor de laranjeira! A menina mais bonita da escola e de minha rua.
_ Oi, Carlos, tudo bom?
_ Tudo!
Só ela e a professora Esther me chamavam assim de Carlos. Para os de casa e a patota eu era o Carlito. Como já era bonita! Éramos da mesma idade e devíamos ter apenas uns doze anos naquela época. Eu logo arrumava um pretexto para puxar conversa.
_ Rosa, você respondeu a tarefa de Matemática?
O safado do Fernando já me olhava com censura. Sabia que eu era o melhor da turma em Matemática e estava tirando proveito daquilo para me dar bem com a gata. A Matemática é o caminho mais curto para o coração das garotas bonitas. O fato é que eu tinha de angariar aquela simpatia. E não ia ser com minhas habilidades de pescador. Bendita Matemática!
_ Pra falar sinceramente, não fiz ainda!
_ Passa lá em casa à noite que a gente faz juntos.
_ Será ótimo.
_ Certamente.
_ Então às 7h.
_ Pra mim está bom.
_ Pra mim também.
Aquele pequeno encontro, embora de estudos, era motivo suficiente para fazer aquele dia feliz. A Rosa era muito discreta. Parecia uma mocinha da burguesia conservadora. Vestia-se com simplicidade, mas com muito jeito. A mãe tinha uma banca de fruta no mercado e o pai estava tentando a vida em São Paulo. Era uma família admirada por todos de nossa rua.
Voltei logo com o balde cheio. Tomei aquele banho de isope e fui à escola.
A escola ficava perto de casa. Não demorava quase nada chegar lá. Sempre ia sozinho e só encontrava o pessoal no portão, antes da entrada. O badalo do chocalho tinia sete em ponto. Todo mundo corria para pegar as melhores carteiras, mas o local do assento era consignado. Eu sentava na última carteira da fila central. Para mim era muito perigoso dar as costas aos inimigos. E nessa idade até os grandes homens do futuro são perversos. Coisas do tempo. Coisas insólitas do tempo!
Naquele dia a aula para mim não fez muito sentido. Queria logo que chegasse a noite. “A noite com os seus sortilégios.” Enquanto a professora explicava a matéria, eu tecia meu devaneio. “ Se ela permitir eu vou beijá-la. Não importa hoje a pescaria, a pelada do fim da tarde nem o outro balde de água que ainda tenho de pegar no chafariz no fim da tarde.” Eu quero é a Rosa. Eu quero a poesia;

Oh! Minha Rosa,
Sem teu amor
Minha poesia é prosa
Meu dia é triste
Meu sonho pobre
Meu peixe podre
Não faço gol
E, no entanto,
Tudo é feliz
Se me entregares
O teu amor.

Nesse enternecimento a aula chegou ao fim. Agora é arrancar as minhocas. Pegar o facão. Almoçar e ir à pescaria. Mal engoli meu bocado, o Christiano e o Fernando já estavam lá em casa.
_ Vocês já comeram?
Aqueles moleques tinham mesmo ânsia por pescar.
_ Ora! Você é que passa um ano para ficar pronto. Por isso, só estamos chegando atrasados
no campo à tarde.
Essa preocupação era do Christiano. O pobre era tão ruim de bola que precisava formar a parelha dele. Se não o fizesse ninguém o escolheria. Já eu e o Fernando não precisávamos ter essa preocupação, uma vez que éramos os primeiros a ser escolhidos na formação das barreiras. E, mesmo quando chegávamos depois, tinha sempre um pivete para substituir.
Nossa pescaria compreendia um trajeto de aproximadamente oito quilômetros. mas Caminhávamos dois quilômetros e meio para alcançar a passagem do riacho antes de fazer esse percurso. Era o nosso itinerário diário. Após a escola e antes do futebol. Para nossa odisseia, dispúnhamos de baladeiras, facões e anzóis. Estes só para os porões e lagoas ainda com muita água. A baladeira para eventuais pássaros nas árvores ciliares. Para nossa pesca de riacho, o instrumento de maior utilidade era mesmo o velho facão Tramontina. O colina do papai. Com ele vencíamos os pequenos peixes que se refugiavam embaixo das cuncas caídas das palmeiras de babaçu. Cortávamos as palhas de coco para confeccionar os capotes, que são instrumentos de arrasto nas lagoas com pouca água. Sempre havia algumas lagoas formadas quando o riacho transbordava. As cuncas também serviam para a prática do arrasto, mas só quando a água da lagoa baixava completamente. Nesse tempo, também fazíamos o repisar das águas para baldeá-las e eliminar o seu oxigênio. Assim, os peixes necessitavam ir à superfície, momento em que aproveitávamos o ensejo para abatê-los. Com o facão ainda fazíamos as enfieiras e cortávamos o timbó para se embeber os peixes. Outra prática de pescaria assaz eficiente no riacho era capturar o peixe na loca, que é uma toca subaquática. Isso fazíamos direto com as mãos, sem saber o que encontraríamos realmente. Mas o que eu buscava eram as traíras. As árvores mais frondosas e de raízes maiores formavam o esconderijo para os melhores peixes. Arriscava-me com as duas mãos e muitas vezes garanti peixadas deliciosas no almoço do dia seguinte.
Sempre pesquei peixes pequenos. Nunca pescava sozinho. Estavam lá os dois companheiros, tenazes, Fernando e Christiano. Também eram parceiros no futebol e na escola, mas hoje não poderiam aparecer lá em casa à noite. A Rosa me bastava. E era nela que pensara o dia inteiro. Nem o futebol ocupou meu pensamento naquela tarde.
Por um momento, desviei o pensamento de minha musa e lembrei-me do velho pescador Santiago. Ele pescava peixes gigantes, mas morava numa modesta cabana. Lutou heroicamente com um espadarte maior que seu barco. Que seria pra ele botar as mãos em pequenas locas de traíras? Ele amava o mar e seus habitantes. Era um senhor admirável. Ao cair do sol, lembrava do beisibol, esporte de sua predileção. O mar é lindo e imenso. Cheio de perigos. Mas era onde aquele pescador lutava bravamente para sobreviver.
Meu riacho não era tão grande nem tão belo como o mar. Mas eu também era um pescador que não temia os perigos imanentes de meu ofício. Ao cair do sol, pensava em nosso futebol. Mas naquele dia principalmente pensava na Rosa.
_ Pessoal, vamos embora. Por hoje basta.
No tocante à divisão dos peixes éramos comunistas teóricos. Como num regime parcial de bens, o que obtivéssemos da pescaria era produto do esforço conjunto e, assim, dividíamos em partes iguais. Só quando não pegávamos quase nada mesmo é que ficava para um só de nós. Decidíamos no par ou ímpar.
_ Vamos. _ Respondeu imediatamente o Christiano.
Ele gostava de jogar bola e sabia que tinha de chegar sedo ao campo. Fernando também não se opôs. E fomos embora mais sedo naquele dia.
Cumpria-me completar a rotina do dia e daí alcançar a noite e seu bom presságio. Fui, então, ao campo. Fiz uns toques. Chutei uma bola na trave. Mas estava muito distante do que eu era. Displicente, lento e desinteressado pelo jogo. Acabei inventando uma dor de veado. Nem pus galho de folha verde no calção nem nada. Cedi a vaga para o Deci, um habitual alisador de banco do nosso futebol.
A mamãe não me foi indulgente. Tive de pegar o balde no chafariz. Fiz sem tergiversar. Queria estar livre cedo. E lá pelas seis horas estava insolitamente banhado e vestido com a melhor roupa, esperando aquela que povoara meu pensamento o dia inteiro. Estava ansioso por aquele encontro. Arrumei a mesinha com uma cadeira do lado da outra numa posição em que as pernas se tocassem. E esperei...
Lá pelas sete e dez a Rosa transpôs o batente da porta com jeito da lolita de Nabokov. Era deveras faceira. Porte cuidado. Face meiga e rosada. E o sorriso era o paraíso de ímpios e ateus. Falava com doçura e sorria no fim da sentença. Fitava o olhar intermitentemente, com um raro aspecto, desnudando-lhe a timidez. Ouvi a doce voz cumprimentando a mamãe e em seguida outra, menos aprazível, soou para minha frustração. Ela trouxera Lisa. Uma amiga dela tão inseparável quanto Fernando e Christiano de mim.
_ De que adiantou o dia inteiro dedicado a ela. Pesquei menos peixe. Não fiz sequer um gol. Arrisquei minha reputação em vão. Parece que para ela só a Matemática era coisa de interesse. Perdi completamente a motivação. Expliquei-lhe as equações com frieza matemática. As mulheres têm este dom de nos inquietar mesmo quando bem moças. Eu estava melindrado, mas era preciso disfarçar.
Recordo isso, agora, com uma saudade imensa no peito. Rosa foi meu grande amor da adolescência. A gente pensa na idade tenra que as coisas vão perdurar nessa vida. Agora sei que não é bem assim! Depois de Rosa tive vários grandes amores. De algumas nem me lembro mais. O Fernando vive hoje em São Paulo. O Christiano é advogado militante aqui do forum local. Nunca deixou o futebol, mas comprova a tese de uns que afirmam que futebol é dom e ninguém aprende, nem com muita prática. Às vezes, escrevo histórias de pescaria para me lembrar daquele tempo. Como o velho Santiago amava o mar eu amava o meu riachinho. Eu também tirava o meu sustento da pesca. Também amava as criaturinhas do riacho. Hoje amo os livros e as belas histórias. Meu irmão Mateus é professor de literatura. Quem sabe ainda vai nos contar a história das pedreiras. O Eduardo agora é do corpo de bombeiros. O papai ficou bom e é hoje um homem forte e prudente. Mamãe não pisa mais no pilão nem precisa mais buscar água no chafariz. Agora minha flor já deve está dormindo aqui no quarto ao lado com a Ana Beatriz. Estas vieram para ficar. Quando lerem essa história, minha mulher vai saber que a vida precede os livros. E minha filhinha saberá que um pescador ainda mora em mim.

Teresina, 18 de junho de 2009.
JOSÉ SOARES LIMA
Em um dia de muita saudade de Barro Duro.


domingo, 12 de agosto de 2012

SÓ PARA MEU REI

Ao melhor pai do mundo: Luiz Zuca



Este coração comovido tem muita coisa a dizer. Meu pai foi rei ! Não foi ? Claro que foi ! E era o meu herói em seu cavalo inglês. Disso eu não tenho dúvida. Enfrentou todos os lestrigões e os ciclopes. O gigante Adamastor e o Minotauro. Por mim, matou o leão de Nemeia e capturou o javali de Erimanto. Veio em seu corcel ao meu encontro, quando tive febre. E bradou abruptamente para que Pandora se calasse. Andávamos juntos em Nova Vida. Cruzava a Flor da Mescla. Não reconhecia os obstáculos para transpor o Rosário da beira do rio. Quando adoeceu me abraçou com ternura e disse que ia voltar. Regressou conforme o prometido. Aí viemos parar aqui nesse nosso Barro Duro. Assim criamos raízes, lutando sem nos acovardar. Quando todos vêm contra nós estamos unidos. Ninguém insulta só a um. Atravessamos as intempéries mantendo o olhar firme. Olhando para trás sim, mas só para nos orgulhar. O nosso reino é construído na rocha. E aqui não há disputa por poder. Nosso exército é leal. Nosso hino é o coro das crianças da rua. Meu velho lê todo dia o livro sagrado. Sabe pensar e não aceita privilégio nato de espertalhão. Não elogia facínora. Combate na solidão. A calma, a tática de guerrilha. O silêncio, sua maior forma de expressão. A alegria, o nosso reencontro. A política, o que o faz falar. É o natural e verdadeiro amigo. Nunca cerceou minha emoção. "Oh! meu velho indivisível !". Amor, respeito, ternura, alegria, paciência, concórdia, vontade de trabalhar, gentileza, o trato inefável. Por que não consigo ir embora? Ora, não me façam rir ! Os vícios que traz inda nos diverte. É um senhor formidável. Perde quem não o conhece. Eu tive o privilégio de ser súdito desse rei justo. A vida me compensou por ter deixado umas pedras no caminho. Mas nós as quebramos com nossa marreta. E os paus, partimos com nosso machado. Limpamos o mato com a roçadeira e nada subsiste ao nosso amor. Agora me recomponho e peço desculpas ao leitor por ter tergiversado tanto com as palavras. É que só a excepcionalidade traduz melhor o meu pai. Meu Luiz, rei Luiz. A bênção desse seu filho que lhe tem muita admiração e amor. E digo: É impossível ser como o senhor.        

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A PAIXÃO DOS OPRIMIDOS




O bumba meu boi no Maranhão e a eleição municipal em Barro Duro têm em comum a paixão dos oprimidos. Existe uma gente que é o sangue e a alma dessas manifestações culturais e políticas, respectivamente. O povo vai à rua com bandeiras. Cantam e sorriem as alegres turbas. Uns se abraçam no calor fraternal. Acreditam ali que realmente os homens são iguais e que não havia motivo para cerimônias, uma vez que a vitória trará a alegria para toda a cidade. No Bumba meu boi, os tambores ressoam e a gente acompanha a batucada ao sabor do São João da Barra. Que momento de êxtase! As índias rodopiam com harmonia a dança aprendida de seus pais. São leves e faceiras e sensuais e causam frenesi. Aqui não importa quão dura é a vida. A existência se reduz à paixão que o maranhense pobre tem por sua cultura. E é essa gente de aspecto sofrido que faz a festa maior do Maranhão. NA ELEIÇÃO DE BARRO DURO os excluídos de toda sorte de poder são quem põem a alegria na rua. Defendem com unhas e dentes e cantos de louvor uma bandeira que definitivamente não lhes pertence. Se alegram com quem lhes despreza. E beijam e abraçam quem na verdade lhes têm asco, mas cujo interesse pessoal faz dominar qualquer asco. As pessoas mais simples de Barro Duro, que sempre fizeram as multidões nos comícios municipais nunca foram respeitadas pelos arrumadinhos privilegiados da cidade. Também a vitória na eleição nunca significou melhoria na vida da população. Os mais pobres nunca foram prioridade em Barro Duro. É sempre uma classe média local que se ajeita em qualquer administração. E o chamado "povo" espera a próxima campanha para levar a bandeira tal qual o animador de bumba meu boi na noite formidável de São João aqui deste, também terrível, Maranhão. Mas os oprimidos daqui como os daí têm paixão pela bandeira que carregam. Pensam resignados que os bens sociais existem para manter o privilégio de poucos. E consciência, caros leitores, é coisa muito fugidia. E anda um tanto ausente em nosso lugar. Passei uma semana em Barro Duro em plena campanha eleitoral. Teria de ser mil vezes mais ingênuo para me alegrar com o que vi. O quadro é realmente triste e estarrecedor. Vou votar sem nenhuma cresça em melhora imediata. Convido os verdadeiros filhos de Barro Duro para reagir e fazer algo por nossa terra. É estranho, porque os que mais sofrem parecem felizes, mas é um mero efeito da manipulação das massas. Pobre do oprimido que vive de fortalecer o opressor. Deus salve o nosso ingênuo Barro Duro.          

terça-feira, 24 de julho de 2012

A FALTA QUE FAZ UM TAPA NA CABEÇA

A memória de Ernandes Feitosa



A criança tem como mister a liberdade; o adulto, a memória. Quando me lembro de Barro Duro, na dimensão física, vejo um barro duro e vermelho (já disse isso zil vezes), que na chuva deslizava mais que quiabo. Todos os campos de bola eram assim na minha infância. Eu e meu irmão Manoel marcávamos o campo com a cal da construção, no domingo. E em dia de Faveiras e Fluminense meu coração ficava mais aflito que nos "Flamengo e Vasco" de hoje. Havia no Faveiras um lateral esquerdo, quebrão, chamado Ernandes. Marcador tenaz do craque Valmir do Fluminense. Lembro como se tivesse acontecido ontem, o Nana deslizando naquele barro vermelho, cor de sanque, de minha terra, após dar aquele carrim perigosíssimo, que só ele sabia dar e só o Valmir sabia se desvencilhar daquele jeito. Fora do campo o Ernandes nunca foi violento. Era o cara mais brincalhão de Barro Duro. Amigo de todos. Nunca fazia cara feia para ninguém e me ensinou, ainda em minha infância, que todas as pessoas são iguais e merecem consideração e afeto. O Ernandes era formidável ! Conhecia até a pessoa mais desconhecida da cidade, ainda que morasse no local mais extremo de Barro Duro. Conhecia as pessoas pelo nome e pelo apelido também, claro. Ernandes chegou a ser o vereador mais votado de nosso município em uma eleição. Mas a maior vitória da vida daquele cara batuta foi fazer tantos amigos. O que não era um talento seu particular, mas da família, uma vez que o Peca e o Rivaldo honram com toda certeza aquela fama de gente boa e fazedor de amigos do irmão. Hoje, o nosso Barro Duro é mais triste. Aquele grito gozador não ressoa mais no estádio. E o TAPA NA CABEÇA... LEPO...LEPO...meu Deus, que saudade de nosso conterrâneo! Esqueço até a dor da pancada, que não era pequena. Todavia, sempre há algo além de nossa compreensão limitada. Que Deus te acolha bem, meu alegre amigo! "Sei que você está bem, mas isso não me impede de chorar". Foi só o que agora eu pude lembrar. Ainda bem que só escrevo, se fosse um vídeo, estaria sem fala. (barrodurense é irmão de barrodurense).       

sábado, 21 de julho de 2012

CANTO DO URUTAU

O canto da Saudade é o que impõe mais harmonia. É o velho entoar nostálgico de um tempo dissipado, que tanta falta me faz nesta vida. Do meu riacho Mucambo, que para mim é mais real que o Amazonas; tal qual o rio da aldeia do poeta português, que transcendia o grande Tejo em sua dimensão subjetiva. Estou aqui mais uma vez no meu devaneio telúrico de pensar em meu pequeno lugar. Sei que ninguém vai compreender meu canto de saudade nessa terra maranhense em que vivo e onde o gênio João do Vale cantou o bravio carcará e o formidável poeta Gonçalves Dias fundou o Brasil, rememorando o canto pungente de um sabiá. Eu, todavia, só me lembro de ouvir o canto do Urutau em minha terra. Esta ave mãe-da-lua, que, no sertão enluarado do Piauí, entoa seu canto melancólico e belo, dizendo ao sertanejo que ele tem um companheiro em sua dor. A lembrança do canto do urutau ainda me traz o cheiro daquele barro duro vermelho em que cresci libérrimo. Indo a pé para a barragem do Riacho Seco e ficando o dia inteirinho por lá, sem saber que um dia a vida se tornaria tão complexa. Quando o ano se aproxima do dia cinco de dezembro, lembro inevitavelmente do Barro Duro de minha infância. Quando a Dona Mundica fazia seus bolos deliciosos; quando o Ranulfo era rico, bonito e namorador; quando dona Teresinha Mourão era a pessoa mais sábia da cidade; quando o mestre Umbelino me contava histórias fascinantes de um tempo mais remoto de um Barro Duro que não conheci. O canto do urutau dá mesmo saudade na gente, amigo Zé Rodrigues! Mas a saudade não nos pode perturbar o espírito nem turvar a visão de águia tal qual a de vossa senhoria. Por isso lembro também que Barro Duro abraça muita gente ordinária ao passo que despreza nosso tamanho amor. Ave fantasma de meu sertão natal, dispara teu canto insólito sobre os nossos ouvidos fatigados. Diz ao nosso Barro Duro querido que a uma mãe tudo se perdoa, mesmo a terrível ingratidão. Diz que sinto muita saudade. Que dia cinco de dezembro para mim é doído. Que eu o parabenizo por sua emancipação política e anseio por sua independência ética e cultural.