Há
tantas coisas a pensar em uma madrugada chuvosa que uma crônica
parece pouco. São cinco horas agora. Cai uma chuva delicada. O
galo não canta. Ninguém toca o silêncio senão
a água no telhado. A vida vista de dezembro. A mamãe em
Itaquaquecetuba com a Maria e o novo rebento. O Francisco não
vem mais em janeiro. O Edílson casou, mas o cônjuge não
é digno de nota. O Manoel, que tanta falta me faz neste final
de ano, também não vem ao Piauí por agora. O
cotidiano não é tão simples. Só permanece
mesmo a mudança vista pelo filósofo Heráclito. O
Magno vai para o Rio Grande do Sul. São Pedro tem um novo
prefeito. Aline e eu voltaremos ao Corda e Mearim, nossa mesopotâmia.
O Valdinar e a Tatiana agora moram em Minas. As histórias se
espalham, mas os pensamentos nos ligam. Tanta vida a pensar neste
instante que uma crônica parece pequena. Foi tudo igual com os
homens. A partida em janeiro, o esforço colossal no trabalho,
as lembranças da terra natal. Agora a cerveja do moderno Baco.
O grito de afirmação. Por um instante não ser
oprimido, mas burguês. Até que o novo ano vem e com ele
a rotina fatídica de Sísifo. Rolai pedra impiedosa! Um
sorriso largo sempre vai bem em dezembro. Os encontros alegres como
introito de partida. Como disseram Teixeira e Sater “ um dia a
gente chega e em outro vai embora”. Assim, é mesmo hora da
consoada familiar. Feliz do que traz de bom. Triste do que deixa de
saudade. Já passou o show de Roberto Carlos. A ceia de natal.
Vieram os confrades que tiveram de vir de São Paulo. Agora só
resta a corrida de São Silvestre para o ano acabar. O dia
raiou agora. Muita coisa precisa ser feita. Quem sabe realizaremos um
pouco mais no ano vindouro. Que o ano novo seja verdadeiramente
feliz!
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
A LAGARTA E A BORBOLETA
A
única coisa constante da vida é a mudança,
asseverou Heráclito há séculos. O eclesiástico também tece sábias palavras acerca do
esvair-se da vida. Então, tenho pouco a dizer. Mas esta
lagarta que passa lentamente merece umas palavras. É realmente
um ser frágil. Desses que temos um desejo invencível de
calcar com os pés. Pisar e vê-lo se extinguir enquanto é
feio, lento e extremamente fácil de ser abatido. Se tiver as
condições propícias, um dia esta lagarta será
uma borboleta. Despertará olhares e interesse. Poderá
voar. Pousar nas flores. Bater asas coloridas. Ser tema de poesia.
Transformar-se em um chinês. Sendo lagarta ainda, este pequeno
ser tem um grande caminho a transpor. E certamente encontrará
lestrigões, ciclopes, meninos e os terríveis homens, em
seu caminho. Às vezes, chegar a crisálida já é
uma grande vitória. Ser ninfa do porvir. As borboletas são
lindas, mas, não raro, sonhos intangíveis. É
preciso ter mais que talento e esforço para ir de lagarta a
borboleta. Participam também desse caminho as impassíveis
circunstâncias da vida. Estas que verdadeiramente apresentam os
vencedores e os vencidos. Olhando esta lagarta tão alheia.
Lembro-me das dores inevitáveis de meus irmãos de nossa
terra. Tantos morrerão lagartas! Tanta vida que poderia ter
sido e que não foi, tenro Manuel. A impossibilidade das coisas
possíveis que tanto me aborrecem. Quantas borboletas medíocres
em minha terra! Legatárias de circunstâncias injustas
que tanto facilitam o caminhar dos frívolos. Eu tenho, porém,
este deserto. Nele o esforço é sempre pessoal. Jeová
ofereceu a vida. Cristo, o exemplo. A mãe, o pai e os irmãos
ofertaram o amor sem o qual não adianta partir. E assim a vida
se compõe.
BRISA
Só
quando subimos a montanha e percebemos que nada de bom aconteceu,
acreditamos que a razão de tudo estava mesmo no caminho. Eu
estive em São Paulo no natal de 1996. Era a primeira vez que
eu subia aquela montanha. Não estava muito feliz de estar ali.
Toda a vida que conhecia havia ficado para trás. Talvez se
tentasse compor um poema naquele natal, o primeiro verso seria assim:
“vou-me embora para Barro Duro”, uma vez que o imaginava, como a
Pasárgada do poeta Manuel Bandeira, o espaço onde eu
podia realizar tudo aquilo que o presente de então negava.
Parece que acreditei naquela história de que “ aqui faz
calor, mas também tem brisa”. É uma ilusão
pensar assim. Hoje tenho saudade de São Paulo. A velha
Pauliceia ainda desvairada. Da estação Armênia,
Ponte Pequena, onde vi a vida ser tão dura. A banca de
revista: meu trabalho, minha leitura, minha dor. O vendedor de café,
o Ceará, grande amigo, que provavelmente jamais o verei
novamente. O taxista Osvaldo não deixava a noite ficar
melancólica. Detestava os tenros e o estúpido Magrão,
seu concorrente de praça. Um velho advogado aposentado ia me
contar as últimas da política. Incrível, mas
parecia o noticiário mais recente. Sempre várias
bandeiras particulares mascaradas por uma grande bandeira pública.
E tinha os garçons das casas chiques da noite paulistana. Um
pizzaiolo que fazia a caridade de nos oferecer uma fatia de sua pizza
deliciosa. E os moradores de rua a nos dizer que há sempre uns
mais infelizes ainda. Queria voltar para o Piauí ainda que no
lombo de uma onça como pensara o compositor maranhense. Foi
possível realizar este pequeno desejo. Mas nunca o de fazer
tudo o que eu quis. Às vezes, em junho, quando faz um pouco de
frio aqui no sítio, lembro-me daquelas noites na avenida
Santos Dummot com a Tiradentes e a avenida do Estado. Faziam ali o
meu triângulo na Armênia. A noite era grande demais.
Pensava em tudo. Lia as revistas. E queria que a vida fosse
diferente. Ao romper da aurora, pegava o ônibus do Jardim
América e seguia para Itaquaquecetuba dormir o dia inteiro na
casa de minha querida irmã Maria. O dia para quem trabalha à
noite é o tempo que não existe de Santo Agostinho.
Parecia o mito de Sísifo, que consistia em passar o tempo todo
a rolar uma grande pedra para o píncaro de uma montanha para
em seguida ao arremesso voltar à fatídica rotina. Mas
algumas emoções vivi naquele tempo. Quando fui ao
viaduto do Chá ver o teatro municipal. Fiquei paralisado, “
foi aqui...! Mário de Andrade e sua turma”. E a arte não
seria mais a mesma. Eu não seria mais o mesmo. O grande
pássaro da liberdade por ali passou. O grande condor dos
Andes. E eu vi. No Largo São Francisco, a gravura de honra aos
poetas : “ Aqui estudou Castro Alves”, “ Aqui estudou Álvares
de Azevedo”. A Faculdade de Direito que também viu passar
Miguel Reale. E eu só queria voltar para o meu riacho. Banhar
numa água fria. Conviver perto dos que não são
eminentes, mas sabem cativar com as próprias vidas. Pablo
Picasso uma vez se referindo ao pintor francês Paul Cézanne
disse “ Ele foi meu único mestre”. Fico feliz porque
comigo não foi assim. Sempre tive muitos mestres na arte de
escrever. Mas não só os grandes me fascinam. Admiro os
mestres da vida com simplicidade. Aqueles que não procuram um
fim, mas um caminho. É assim que encontramos um pouco de
brisa. E, por isso, as coisas mais importantes podem às vezes
não constituir nossa prioridade. Às vezes a cidade mais
importante do país não é a mais importante para
nós, naquele momento. Só o doce caminho do amor pode
satisfazer nosso vazio de significado. Eu tenho mil razões
para dizer não, mas eventualmente vou dizer sim. E sei que
esse dia valerá a pena. Vamos então curtir a brisa.
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
SÔ NEGO
a
poetisa Pepita
A
vida é um evento complexo. Quando o navio-negreiro foi nos
buscar na África, o vovô não queria vir. “Mas
se o velho arqueja e no chão resvala, ouvem-se gritos e o
chicote estala”, Castro Alves não me deixa mentir. Eu queria
viver na Noruega, ser bonito e ter estatura escandinava. Eu queria
ter cabelos abundantes e também queria ter inteligência
além da média vulgar. Não queria ter esofagite
nem governo corrupto no país. Todavia, nasci foi numa casinha
de sapê, com o auxílio diligente da parteira mãe
Norata, que, com a tesoura da mamãe cortar tergal, cortou meu
umbigo e botou fumo cuspido para sarar o local. Quando chorei meu tio
Dedé perguntou a parteira lá do terreiro: “é
branco ou é preto?” E a resposta veio como uma frustração
geral, “é nego”. Daí passei a viver como um nego
neste mundo que não gosta dos fio de mãe-áfrica.
Meu primeiro apelido recebi em casa mesmo, era Sebo Preto. Depois os
vizinhos passaram a me chamar pela alcunha de Tinga, que muito tempo
depois fui saber que significava urubu. A adolescência de nego
é “um Deus nos acuda”. Às vezes a menina até
quer, mas o pai logo diz: “se você namorar aquele nego eu te
mato”. Melhor a filha morrer do que casar com nego. E quando a
gente fica adulto vai ser um nego na universidade. Começa a
conhecer Mandela, Bob Marley e João do Vale, nosso irmão.
Passa a ser chamado de nego pedante, exibido. “Esse nego só
quer ser intelectual, ô nego bom duma foice”. Mas “Balança,
nego Baia, a mamãe Isabel já aboliu a escravidão”.
Sô nego de nascença. É duro ser nego nesse nosso
convívio. A gente não tem sequer vinte por cento do
nosso valor ontológico reconhecido. A gente tem de aprender a
se interiorizar como ensinou o mestre Jesus. A reconhecer-se para não
depender de apreciações viciadas de outrens. O belo da
vida é não se esconder da chuva. Manter o sonho grande
de Martin Luther King Jr. no temporal, sem temer olhar cerceador. Sem
jamais se intimidar em face do outro. Sem precisar de aprovação
de ninguém. Viva Marcos França artista espetacular.
Viva Gerô voz forte do Maranhão. Viva Gil. Viva a poeta
Pepita, rainha do Mov-Arte, esperança dos que precisam
acreditar nas pessoas. Ser nego e fazer a vida ter sabor é uma
arte. Eu queria na vida estar do lado dos mais fortes, mas não tem jeito. Queria ser
aceito pelo meu valor total. Queria ter privilégios. Dinheiro
para viajar o mundo. Queria tanta coisa nessa vida! Mas minha
parteira informou que sô nego. E nego, admirável Pepita,
tem de lutar todo dia para ser feliz. Não há tempo para
dar ouvidos às tolices dos que nos desprezam. A gente tem de
trabalhar duro. A gente tem de estudar sempre. A gente não
pode se dar ao luxo de ser incompetente. Agora, minha forte amiga,
entendo por que somos negros. Ser nego não é pra
qualquer um.
sábado, 3 de agosto de 2013
NA NORUEGA NÃO TEM LAMBU
Uma vez eu peguei uma lambu na arapuca. Foi um dia muito
feliz. Eu só precisava daquilo no meu dia, mais nada. Foi na beira do riacho,
próximo à vereda que dá no pé de pitomba da Santa Maria. Saí veloz para vender
o pássaro, vivo, ao seu Raimundo Elói da Pousada. A venda era certa e o que
fazer com o dinheiro também, comprava dindim de buriti na dona Mundica e comia
com pão da padaria do Chico Bodim. Naquele tempo, eu só usava calção de
elástico, sem camisa. A minha casa ficava na periferia mais longínqua. Morávamos
em uma casa de taipa e chão batido de cepo, coberta de palha de coco babaçu. A
porta da casa era de talo de buriti. Meu prato era uma lata de goiabada vazia, igual
a que o Buti fazia de pandeiro no ponto de ônibus. Água, a gente pegava no
chafariz. Roupa, a gente lavava no açude. Na noite, luz de lamparina. Na rua,
plena escuridão. Não podia imaginar, naquele tempo, que, na península
escandinava, o sol brilhava todo tempo no verão. Que na Noruega a inflação é 2%
ao ano e não existe lá um só analfabeto; que em Oslo a qualidade de vida é
excelente; que o índice de desenvolvimento humano de um país pode chegar a
0,955; que um povo pode ser culturalmente pacífico e que corrupção no governo
não é uma coisa natural. Os governos do Brasil, do Piauí e do Maranhão lutam
constantemente para nos convencer que a miséria e a ignorância são uma
fatalidade nos nossos "tristes trópicos". Eu até poderia acreditar que
não tem jeito, se não existisse a Noruega. Se um operário corrupto não ficasse
milionário, em apenas oito anos no governo. Se ainda fosse ingênuo como em 1985.
Lembro-me de um tempo em que eu precisava de tão pouco para ser feliz. Mas hoje
desconfio até das virgens, quanto mais dessas prostitutas assaz experimentadas
da política do Brasil.
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