a
poetisa Pepita
A
vida é um evento complexo. Quando o navio-negreiro foi nos
buscar na África, o vovô não queria vir. “Mas
se o velho arqueja e no chão resvala, ouvem-se gritos e o
chicote estala”, Castro Alves não me deixa mentir. Eu queria
viver na Noruega, ser bonito e ter estatura escandinava. Eu queria
ter cabelos abundantes e também queria ter inteligência
além da média vulgar. Não queria ter esofagite
nem governo corrupto no país. Todavia, nasci foi numa casinha
de sapê, com o auxílio diligente da parteira mãe
Norata, que, com a tesoura da mamãe cortar tergal, cortou meu
umbigo e botou fumo cuspido para sarar o local. Quando chorei meu tio
Dedé perguntou a parteira lá do terreiro: “é
branco ou é preto?” E a resposta veio como uma frustração
geral, “é nego”. Daí passei a viver como um nego
neste mundo que não gosta dos fio de mãe-áfrica.
Meu primeiro apelido recebi em casa mesmo, era Sebo Preto. Depois os
vizinhos passaram a me chamar pela alcunha de Tinga, que muito tempo
depois fui saber que significava urubu. A adolescência de nego
é “um Deus nos acuda”. Às vezes a menina até
quer, mas o pai logo diz: “se você namorar aquele nego eu te
mato”. Melhor a filha morrer do que casar com nego. E quando a
gente fica adulto vai ser um nego na universidade. Começa a
conhecer Mandela, Bob Marley e João do Vale, nosso irmão.
Passa a ser chamado de nego pedante, exibido. “Esse nego só
quer ser intelectual, ô nego bom duma foice”. Mas “Balança,
nego Baia, a mamãe Isabel já aboliu a escravidão”.
Sô nego de nascença. É duro ser nego nesse nosso
convívio. A gente não tem sequer vinte por cento do
nosso valor ontológico reconhecido. A gente tem de aprender a
se interiorizar como ensinou o mestre Jesus. A reconhecer-se para não
depender de apreciações viciadas de outrens. O belo da
vida é não se esconder da chuva. Manter o sonho grande
de Martin Luther King Jr. no temporal, sem temer olhar cerceador. Sem
jamais se intimidar em face do outro. Sem precisar de aprovação
de ninguém. Viva Marcos França artista espetacular.
Viva Gerô voz forte do Maranhão. Viva Gil. Viva a poeta
Pepita, rainha do Mov-Arte, esperança dos que precisam
acreditar nas pessoas. Ser nego e fazer a vida ter sabor é uma
arte. Eu queria na vida estar do lado dos mais fortes, mas não tem jeito. Queria ser
aceito pelo meu valor total. Queria ter privilégios. Dinheiro
para viajar o mundo. Queria tanta coisa nessa vida! Mas minha
parteira informou que sô nego. E nego, admirável Pepita,
tem de lutar todo dia para ser feliz. Não há tempo para
dar ouvidos às tolices dos que nos desprezam. A gente tem de
trabalhar duro. A gente tem de estudar sempre. A gente não
pode se dar ao luxo de ser incompetente. Agora, minha forte amiga,
entendo por que somos negros. Ser nego não é pra
qualquer um.
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