terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

RAQUEL SHEHERAZADE



Uma voz pode apenas encantar, mas pode ser também um gesto de solidariedade. O silêncio é o medo. É a dor. É o distanciamento absoluto dos outros. Talvez um coração pateticamente alienado possa supor ser feliz sozinho. Porém, o verdadeiro olhar grande está no viver coletivo. A senhora Raquel Sheherazade sabe que "a melhor forma de viver é viver para os outros". Aprendeu também que a melhor forma de dizer é dizer pelos outros. É  falar pelos que não têm voz social. É bradar por necessidade de combater o aparentemente impossível. Sei como é, senhora Sheherazade, a gente lembra que os ouvidos da sociedade são impassíveis para os simples. O homem sozinho fala baixo e não é compreendido. Então, tem-se uma vontade invencível de falar pelo povo, tal qual a senhora falou pelos bombeiros do Rio de Janeiro. Tem-se o ímpeto de mostrar indignação, como fizera ao criticar o político José Sarney do Maranhão. Sua coragem dá esperança aos que acreditam que se deve dizer a verdade mesmo aos que não a querem ouvir. Sua veemência dissipa o preconceito contra as minorias e faz ver que é sempre verdadeiro o que se faz com amor. A senhora é realmente uma pessoa fascinante. Todavia, posso lhe assegurar, senhora Sheherazade, que não seria feliz se vivesse em nosso Barro Duro. Aqui não merece favor pensamento livre como o seu, nem prosperam opiniões que não engrossem o coro da alienação político-cultural local. O barrodurense enfrenta as frustrações é contando vantagem. Gosta de uma bravata. Em tudo mostra pouco empenho, mas adora um elogio. Se ninguém faz, autoelogia-se. Há também os amantes de si mesmo, que se acham pensadores, mas não passam de psiceudointelectuais se exibindo para uma plateia ignorante. Assim, senhora Sheherazade, a senhora que é culta e contundente seria detestada aqui. Às vezes, procuro, com a lanterna de Diógenes, pessoas interessantes em meu lugar. Às vezes, encontro. Mas vejo que estão sem esperança ou cansaram-se de lutar. Senhora Sheherazade, seu estilo contagiante me tocou. Motivou-me dizer ao meu povo que ainda estou por aqui. E se Deus quiser um dia serei ouvido. Fique com Deus, senhora Sheherazade.                         

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

UM POUCO DE TERNURA



Hoje preciso de um alento que se configure em delicadeza. Lembre os dias mais amenos em que se espanta o frio com um abraço. Hoje não tenho paciência para o desamor. Chega-se uma hora em que a gente espera uma brisa e um sorriso apenas. Quando o gesto grave não é oportuno. Quando ser forte não importa. Hoje, como numa bela canção de que gosto, queria "te levar pra casa". Sonhar com um futuro bom e te contar por que andei distraído. Mas que dias são esses em que se vive ? A gente não reconhece um gesto de carinho. Põe-se exaustivamente na defensiva e descrê que exista um amigo para confiar. Tem hora que a gente precisa de um pouco de ternura. Tem horas que a gente não aguenta segurar a onda sozinho! Às vezes a lógica não satisfaz. É quando lembro das coisas banais de minha vida em Barro Duro. Do meu riacho mucambo de peixes miúdos. Um fio de água deslizante. Eu deitava na areia fria. construía tocas subaquáticas. O dia passava ligeiro e eu não tinha pressa de sair de lá. Apressava o passo só próximo as mangueiras do Cirilo, porque lá tinha "visagem", o próprio finado vigiava suas mangas. O Bob, o Carlito e o Manin eram mas velozes que eu. Ficava sempre atrás e somente o medo fazia de mim um velocista. Naquele tempo não me aborrecia com a malícia dos governos. Sequer tinha conhecido minha primeira namorada. Os melhores lugares do mundo eram o riacho, o campo do vasco, a barragem do Riacho Seco e a caixa d'água da Agespisa na praça da matriz. Sabia-se lá o que vinha a ser "contingência material", "incompatibilidade de gênios" ou "reserva do possível" ...? Importava assistir ao Giraia e dormir sem banhar exausto do dia feliz. Hoje só queria dormir com  essas lembranças ternas de um tempo em que era simples encontrar forças para lutar.     

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

CAPITÃO, MEU CAPITÃO




Meu irmão mais novo chama-se Edílson Soares Lima. É atributo da personalidade ter um nome, mas nem sempre o registro de um nome é algo de relevo no sertão nordestino. Quando nasceu em 28 de junho de 1980, no lugarejo Nova Vida, sertão do Piauí, como na bela obra Vidas Secas de Graciliano Ramos, talvez bastasse dizer que era o menino mais novo de minha mãe. Era mesmo difícil apresentar-se no tempo de infância. Todos queriam saber de quem se era filho, mas não adiantava dizer, uma vez que meu pai também não era muito conhecido. O ônibus da Furtado saiu cedo levando nossa mudança. Papai prometeu que teríamos uma vida melhor em Barro Duro. Edílson tinha cinco anos de idade, quando chegamos à rua do Tiro. sua primeira professora foi a Chaga do Rádio, as primeiras letras aprendeu na escola estadual Afrânio Nunes. Jogava bola no terreiro do Louro, nadava no açudão. Em 1994, quebrou o braço. Perdeu o ano escolar. Via diariamente o sofrimento do pai e dos irmãos mais velhos para angariar o pão. Edílson nunca se importou com coisas irrelevantes. Seus melhores amigos sequer estudaram. A gente já parou mil vezes, a tarde inteira, para pensar no futuro de Barro Duro. A gente tem gratidão e amor por nossa terra. Não registramos em nossa memória nada de dor, apenas guardamos bons sentimentos e coisas que elevam. Edílson dedicou-se aos estudos. Fez a escola de oficial do Corpo de Bombeiros em Brasília. Assistiu a aulas na prestigiada Universidade de Brasília - UnB. Hoje é capitão do Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Piauí e está na Força Nacional de segurança pública. Trabalha salvando vidas. É um bom barrodurense. Honra nosso nome. É meu Capitão. Você transcendeu, meu irmão. Disse a nossa gente que não é preciso alarde, que não adianta bravata, que a vida se faz de luta e a vitória se constrói no presente, com um coração limpo, muito empenho e cultivando sempre, em tudo, o amor.            

GALHO DE GOIABEIRA




Como é pungente a realidade sociocultural daqui. Este enfadonho trabalho de buscar uma saída, às vezes, parece um correr atrás do vento de que nos falou o sábio Salomão. Posso dizer que hoje a ilusão do amor não me seduziu. Estou terrivelmente triste. E, assim, fico desconfortável para escrever, porque detesto lamúrias. O povo tem sido um espectro masoquista por convicção. Alimenta o sonho dos outros desde que lhes retribuam com um algoz desprezo. A arte de convencer pela palavra é realmente ineficiente. Por isso, João Cabral de Melo Neto disse ser difícil defender a vida só com palavras. Mas o caso daqui é mais estarrecedor, ainda, uma vez que também não se costuma observar exemplos. Há muito tempo lhe ofereço meu abraço, meu lugar. E vejo você sofrer, sem reflexão, o desamor dos que preferiu amar. Todavia, não podemos abandonar o que é nosso apenas porque inclina-se estupidamente para o engano. "Não foi você quem me escolheu, eu escolhi você", lugar ingrato e servil. Talvez não seja demasiado a mágoa que uns nutrem. É mesmo desumano um amor não correspondido. E não é leve um dia assim. A gente desanima como um covarde. Caminha nas ruas e viaja nos pensamentos a esmo. "Por que contam coisas as crianças ?" Não é fácil discernir a falsidade. A gente teima em confiar no sentido ingênuo da audição, mas sofre sempre. O homem desenvolveu esta estranha arte de expressar o que a mente não pensa. E só os muito imprudentes ou desprendidos de qualquer interesse material dizem o que pensam. Era do pé de goiaba do quintal de minha infância que eu tirava o meu exemplo de resistência. A gente subia juntos. A molecada não esperava sua vez. Todavia, os galhos não quebravam. Suportavam toda a nossa grosseria e abuso. Queria ser como aquela árvore inquebrável do quintal de minha mãe. Não me importar com o peso do mundo. Manter a pele intacta e servir de exemplo de perseverança para minhas filhas. Ocorre, todavia, que um sonho não quer dizer teimosia. Amor próprio é algo que se impõe. O vento nem sempre fugiu de mim. Sonho e vida devem compor um encontro nunca uma corrida. Que o vento traga consciência ao povo; que nossa gente aprenda que somente corruptos têm paciência de lhe mimar.