Uma voz pode apenas encantar, mas pode ser também um gesto de
solidariedade. O silêncio é o medo. É a dor. É o distanciamento absoluto dos
outros. Talvez um coração pateticamente alienado possa supor ser feliz sozinho.
Porém, o verdadeiro olhar grande está no viver coletivo. A senhora Raquel
Sheherazade sabe que "a melhor forma de viver é viver para os outros".
Aprendeu também que a melhor forma de dizer é dizer pelos outros. É falar pelos que não têm voz social. É bradar
por necessidade de combater o aparentemente impossível. Sei como é, senhora
Sheherazade, a gente lembra que os ouvidos da sociedade são impassíveis para os
simples. O homem sozinho fala baixo e não é compreendido. Então, tem-se uma
vontade invencível de falar pelo povo, tal qual a senhora falou pelos bombeiros
do Rio de Janeiro. Tem-se o ímpeto de mostrar indignação, como fizera ao
criticar o político José Sarney do Maranhão. Sua coragem dá esperança aos que
acreditam que se deve dizer a verdade mesmo aos que não a querem ouvir. Sua
veemência dissipa o preconceito contra as minorias e faz ver que é sempre
verdadeiro o que se faz com amor. A senhora é realmente uma pessoa fascinante. Todavia,
posso lhe assegurar, senhora Sheherazade, que não seria feliz se vivesse em nosso
Barro Duro. Aqui não merece favor pensamento livre como o seu, nem prosperam
opiniões que não engrossem o coro da alienação político-cultural local. O
barrodurense enfrenta as frustrações é contando vantagem. Gosta de uma bravata.
Em tudo mostra pouco empenho, mas adora um elogio. Se ninguém faz,
autoelogia-se. Há também os amantes de si mesmo, que se acham pensadores, mas
não passam de psiceudointelectuais se exibindo para uma plateia ignorante. Assim,
senhora Sheherazade, a senhora que é culta e contundente seria detestada aqui. Às
vezes, procuro, com a lanterna de Diógenes, pessoas interessantes em meu lugar.
Às vezes, encontro. Mas vejo que estão sem esperança ou cansaram-se de lutar. Senhora
Sheherazade, seu estilo contagiante me tocou. Motivou-me dizer ao meu povo que
ainda estou por aqui. E se Deus quiser um dia serei ouvido. Fique com Deus,
senhora Sheherazade.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
UM POUCO DE TERNURA
Hoje preciso de um alento que se configure em delicadeza. Lembre os dias mais amenos em que se espanta o frio com um abraço. Hoje não tenho paciência para o desamor. Chega-se uma hora em que a gente espera uma brisa e um sorriso apenas. Quando o gesto grave não é oportuno. Quando ser forte não importa. Hoje, como numa bela canção de que gosto, queria "te levar pra casa". Sonhar com um futuro bom e te contar por que andei distraído. Mas que dias são esses em que se vive ? A gente não reconhece um gesto de carinho. Põe-se exaustivamente na defensiva e descrê que exista um amigo para confiar. Tem hora que a gente precisa de um pouco de ternura. Tem horas que a gente não aguenta segurar a onda sozinho! Às vezes a lógica não satisfaz. É quando lembro das coisas banais de minha vida em Barro Duro. Do meu riacho mucambo de peixes miúdos. Um fio de água deslizante. Eu deitava na areia fria. construía tocas subaquáticas. O dia passava ligeiro e eu não tinha pressa de sair de lá. Apressava o passo só próximo as mangueiras do Cirilo, porque lá tinha "visagem", o próprio finado vigiava suas mangas. O Bob, o Carlito e o Manin eram mas velozes que eu. Ficava sempre atrás e somente o medo fazia de mim um velocista. Naquele tempo não me aborrecia com a malícia dos governos. Sequer tinha conhecido minha primeira namorada. Os melhores lugares do mundo eram o riacho, o campo do vasco, a barragem do Riacho Seco e a caixa d'água da Agespisa na praça da matriz. Sabia-se lá o que vinha a ser "contingência material", "incompatibilidade de gênios" ou "reserva do possível" ...? Importava assistir ao Giraia e dormir sem banhar exausto do dia feliz. Hoje só queria dormir com essas lembranças ternas de um tempo em que era simples encontrar forças para lutar.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
CAPITÃO, MEU CAPITÃO
Meu irmão mais novo chama-se Edílson Soares Lima. É atributo
da personalidade ter um nome, mas nem sempre o registro de um nome é algo de
relevo no sertão nordestino. Quando nasceu em 28 de junho de 1980, no lugarejo
Nova Vida, sertão do Piauí, como na bela obra Vidas Secas de Graciliano Ramos, talvez
bastasse dizer que era o menino mais novo de minha mãe. Era mesmo difícil
apresentar-se no tempo de infância. Todos queriam saber de quem se era filho,
mas não adiantava dizer, uma vez que meu pai também não era muito conhecido. O
ônibus da Furtado saiu cedo levando nossa mudança. Papai prometeu que teríamos
uma vida melhor em Barro Duro. Edílson tinha cinco anos de idade, quando
chegamos à rua do Tiro. sua primeira professora foi a Chaga do Rádio, as
primeiras letras aprendeu na escola estadual Afrânio Nunes. Jogava bola no
terreiro do Louro, nadava no açudão. Em 1994, quebrou o braço. Perdeu o ano
escolar. Via diariamente o sofrimento do pai e dos irmãos mais velhos para
angariar o pão. Edílson nunca se importou com coisas irrelevantes. Seus
melhores amigos sequer estudaram. A gente já parou mil vezes, a tarde inteira,
para pensar no futuro de Barro Duro. A gente tem gratidão e amor por nossa
terra. Não registramos em nossa memória nada de dor, apenas guardamos bons
sentimentos e coisas que elevam. Edílson dedicou-se aos estudos. Fez a escola
de oficial do Corpo de Bombeiros em Brasília. Assistiu a aulas na prestigiada
Universidade de Brasília - UnB. Hoje é capitão do Corpo de Bombeiro Militar do
Estado do Piauí e está na Força Nacional de segurança pública. Trabalha
salvando vidas. É um bom barrodurense. Honra nosso nome. É meu Capitão. Você
transcendeu, meu irmão. Disse a nossa gente que não é preciso alarde, que não
adianta bravata, que a vida se faz de luta e a vitória se constrói no presente,
com um coração limpo, muito empenho e cultivando sempre, em tudo, o amor.
GALHO DE GOIABEIRA
Como é pungente a realidade sociocultural daqui. Este
enfadonho trabalho de buscar uma saída, às vezes, parece um correr atrás do
vento de que nos falou o sábio Salomão. Posso dizer que hoje a ilusão do amor
não me seduziu. Estou terrivelmente triste. E, assim, fico desconfortável para
escrever, porque detesto lamúrias. O povo tem sido um espectro
masoquista por convicção. Alimenta o sonho dos outros desde que lhes retribuam
com um algoz desprezo. A arte de convencer pela palavra é realmente
ineficiente. Por isso, João Cabral de Melo Neto disse ser difícil defender a
vida só com palavras. Mas o caso daqui é mais estarrecedor, ainda, uma
vez que também não se costuma observar exemplos. Há muito tempo lhe ofereço meu
abraço, meu lugar. E vejo você sofrer, sem reflexão, o desamor dos que
preferiu amar. Todavia, não podemos abandonar o que é nosso apenas porque
inclina-se estupidamente para o engano. "Não foi você quem me escolheu, eu
escolhi você", lugar ingrato e servil. Talvez não seja demasiado a mágoa
que uns nutrem. É mesmo desumano um amor não correspondido. E não é leve um dia
assim. A gente desanima como um covarde. Caminha nas ruas e viaja nos
pensamentos a esmo. "Por que contam coisas as crianças ?" Não é fácil
discernir a falsidade. A gente teima em confiar no sentido ingênuo da audição,
mas sofre sempre. O homem desenvolveu esta estranha arte de expressar o que a
mente não pensa. E só os muito imprudentes ou desprendidos de qualquer
interesse material dizem o que pensam. Era do pé de goiaba do quintal de minha
infância que eu tirava o meu exemplo de resistência. A gente subia juntos. A
molecada não esperava sua vez. Todavia, os galhos não quebravam. Suportavam
toda a nossa grosseria e abuso. Queria ser como aquela árvore inquebrável do
quintal de minha mãe. Não me importar com o peso do mundo. Manter a pele
intacta e servir de exemplo de perseverança para minhas filhas. Ocorre, todavia,
que um sonho não quer dizer teimosia. Amor próprio é algo que se impõe. O vento
nem sempre fugiu de mim. Sonho e vida devem compor um encontro nunca uma
corrida. Que o vento traga consciência ao povo; que nossa gente aprenda que
somente corruptos têm paciência de lhe mimar.
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