quinta-feira, 11 de abril de 2013

PEDRA DE TOÁ




Uma vida sem sabor é uma pedra de toá. A gente vai enfrentando a dureza da pedreira, fatigando-se com o morro e o que experimenta é insípido. Não é bom que seja assim. A vida pode ser comparada a tudo menos à monotonia. Eu nunca tive uma vida parada. Acordava sempre cedo. Minha casa de infância ficava no alto da cidade. De lá eu descia na companhia da estrela Dalva. Apenas o Christiano Paulista via o dia antes de mim. A quadra de esporte era o nosso trapiche. Se Pedro Bala era um capitão da areia, certamente eu seria o filho do toá. Depois da infância feliz e encantada veio a adolescência e sua dureza. Fui estudar na capital. Tive de deixar a pescaria, os campos de bola, a quadra e o principiar dos sonhos de amor. Agora passava os dias nas aulas e nas bibliotecas. Conheci a partir daí pessoas fascinantes, mas apenas na dimensão das ideias. O primeiro que me impressionou foi o senhor Manuel Bandeira. Versos fortes: "menino fui como os demais, feliz! Depois veio o mau destino e fez de mim o que quis". Velho bardo dos meus dias pungentes! Queria fazer alguma coisa significativa na vida. Fiz várias. Comemorei cada pequena vitória. Sofri em cada fracasso. Vivi cada momento com o coração. A vida melhorou muito. Acho até que ela é melhor do que eu pensaria num dia otimista. Vim de muito longe. E não pude trazer muitos companheiros. Sei que perdemos muita gente. "Homens de vida amarga e dura", que põem o pão na mesa da burguesia. Nisso sinto um pouco de solidão. Queria ter mais uns confrades para conversar. Mas realmente não dá para reclamar. O sistema não conseguiu me marginalizar, nem no sentido sociológico. E é claro que sou feliz. Seria uma ingratidão com Deus não o ser. Contudo, há dias em que a vida é sem sabor como pedra de toá. E a gente precisa se segurar em algo para não sofrer. Por isso, botei a foto de Ana Beatriz sorrindo em minha mesa no trabalho. Morro de saudade, às vezes, mas ao menos sei por que estou lutando.            

terça-feira, 9 de abril de 2013

BEETHOVEN PODE NÃO SER NINGUÉM




A sexta sinfonia de Beethoven é obra de gênio da música. Minutos de êxtase! A gente vai em um segundo à casa do pai e da mulher amada. Revive os sonhos de ser completo. Campeia as imensidões e nunca se esquece de ser livre. O tema desse texto, todavia, não versa sobre o ilustre compositor alemão. O título que pensei para este texto foi "Impressões idiossincráticas", porque é disso que vou falar. Todavia, resolvi utilizar esse outro para ser mais cotidiano. Entenda-se, neste contexto, idiossincrasia como uma maneira estritamente particular de perceber a vida. Um modo singular de reação aos estímulos. Só a ênfase neste fenômeno psíquico pode explicar o comportamento desinteressado de uns diante de algo que para muitos é fascinante. O povo não se importa com a beleza das coisas porque não a percebe. Para um sertanejo rude o gênio Beethoven não é ninguém. Não adianta pensar que as pessoas apenas precisam de oportunidade. O incompetente sistema educacional do Brasil devia observar isso. Com o formidável palco de coisas negativas que temos no ambiente social só um milagre faz um jovem não se desviar do caminho e perder o rumo. Cada um, porém, reage de uma maneira específica aos estímulos da vida. Os behavioristas acreditam que, em um ambiente adequado, não importa a questão do talento. É uma questão de treino, de dedicação. Deus queira que seja verdade isso. Caso contrário é fácil perder a esperança. Depois de um tempo é só o homem e sua idiossincrasia. Mesmo que a gente se importe, perca o sono, diga o quanto a coisa é interessante e crucial para a vida. O homem já corrompido pela ignorância trocaria "A Guernica" de Picasso por uma dose de pinga. O que é verdadeiro para arte também se aplica ao conhecimento em geral. Desse modo, a saída é se antecipar aos estímulos destrutivos do teatro social e apresentar o mundo instigante do conhecimento para as pessoas ainda no início da vida. Portanto, não é uma questão de determinismo, mas as pessoas devem ter base para fazer escolhas. E saber que Beethoven foi um gênio. Era isso que hoje tinha a dizer.                         


quinta-feira, 4 de abril de 2013

CIDADÃO BARRODURENSE




As palavras têm o charme da sedução. Falam às vezes tão fundo que parece transcender o plano simbólico e atingir com força legítima a realidade da vida. Evocam coisas importantes de verdade e como tais deviam figuram por toda parte, sem as horríveis mitigações das circunstâncias. Mas é mesmo difícil só com palavras defender a vida, oh! João Cabral. Por isso me lembrei de um caso muito antigo que aconteceu por aqui. Era no tempo de Capitão Zezé Leão e do cangaço local, porém não se deu com sua senhoria o acontecido. Foi por aqui nos idos de nosso Senhor, quando delegado, por essas bandas, era escolhido pela boa reputação do sujeito no seio de sua comunidade. Assim foi que o delegado Boaventura Dias assumiu a delegacia de Barro Duro. Homem de coragem reconhecida. Cheio de disposição para assegurar a ordem e a compostura em face da municipalidade de seu povo. Não se permitiu fazer a desfeita que João Teodoro fizera em Itaoca, quando também fora nomeado delegado. Longe de nosso homem, que, ao contrário do outro, sempre se imaginara delegado. Os dias se passavam como de rotina. Nem o capitão Zezé fez das suas, por estima que tinha ao novo delegado. Só que a paz e a guerra, o sossego e o desassossego, como pensava Heráclito, nunca têm caráter definitivo. Daí um desavisado das bandas do Sagui veio fazer a feira e depois beber a cachaça como de costume. Era um rapaz trabalhador do eito, mas honesto que não tinha mais para onde. Bebeu cachaça. Fez discurso como na roça imaginara um dia. Aprontou, naquele dia melancólico, poucas e boas, até que veio o delegado.
_ Prende o homem, soldado!
O policial foi com sede de mostrar serviço ao chefe. Deu um solavanco no rapaz que este logo se lembrou de que estava em uma República. E invocou o direito.
_ Não me batam que eu sou um cidadão!
O delegado logo redarguiu:
_ Ora cidadão, vagabundo... leva logo este vagabundo, soldado!
Assim, o moço ficara sabendo que cidadão como ele não gozava de muito favor diante das autoridades.
Ainda deu para ouvir um senhor asseverar baixinho:
_ Ainda mais este menino do Sagui com história de que é cidadão, só mesmo...
Lembro-me de que isso aconteceu há muitos anos no nosso Barro Duro. Agora vem o governo com esse negócio de que a escola vai formar cidadão. Só se é pra pontapé de soldado. Ora cidadão...



ESCREVER COM VERDADE



Um verdadeiro escritor deve construir com verdade até mesmo uma obra ficcional. A postura ética deve estar intrínseca no ato de escrever. De todas as atividades que exerço na vida a que realizo com mais amor é escrever. Fascina-me tergiversar acerca da vida dos fatos e da imaginação. E aprecio esta atividade pelo que traz em si de moldura ética. Ela não me permite ser impuro. Diferente das outras coisas da vida, escrever só consigo quando estou limpo e inteiro. Não consigo escrever quando estou em pedaços. E sempre fico em pedaços quando sou intolerante com a família, desleal com os amigos, covarde diante dos poderosos. Quando sou pior do que quero ser. Quando não resolvo os problemas que me chegam no trabalho e quando não esclareço as coisas a quem me procura para conversar. É inútil sentar em frente ao computador nessas horas. Escrever é um ato de verdade. “O interno não aguenta tinta”, como disse o velho narrador Dom Casmurro; invenção verdadeira do excepcional Machado de Assis. A cada linha uma gota de suor e de sangue. Nas entrelinhas, a cereja do bolo do bom leitor. A gente fica aflito com cada ideia inoportuna. Dessas que não entendem que o cotidiano da gente é volúvel e pragmático. Que temos de angariar o pão das pequenas de casa. Quantas ideias boas tive de deixar fugir ! Quantos textos deixei de escrever ! A verdade subjetiva nessas horas grita. A gente sonha tanta coisa nessa vida! Queria ser apenas escritor. Contar minhas histórias de pescaria, e outras tantas, Brasil afora. É o que gosto de fazer: olhar a vida, as pessoas e as coisas... Depois contar do meu jeito o que vi. Mas sou feliz por ser advogado e professor. Realizado por ser analista da Procuradoria de Justiça. Por poder educar a Minha Ana Beatriz com dignidade. Grato a Deus por ter uma esposa culta. Sei que o objetivo das pessoas é ser importante. Para muitos é estranho eu não tencionar ascender às seletas carreiras jurídicas. Já me perguntaram “você não quer ir além?”. Sim, eu quero ir além! Mas quero ir onde está meu coração. Fui um pescador de pequenos peixes no riacho do Mucambo e quero contar isso para quem não sabe o que é viver plenamente. Na “Muriçoca” vivemos dias inesquecíveis! Assim, meu texto é minha vida, mesmo as histórias inventadas. Estou em cada linha e nas entrelinhas. Na busca de falar a verdade. E definitivamente convencido de que só vale a pena na vida aquilo que fazemos com amor.

PACIÊNCIA



Para minha esposa Aline

Passei muito tempo esperando. Esquecido de olhar os lírios do campo, por uns instantes, como ensinou o grande Mestre. E tinha muito para dizer, mas detive-me na sedução do silêncio. Era para estender a mão somente. Beijar-te. Ler o jornal sem interesse. Ficar olhando ao longe. Imaginava-te insegura ao tempo em que eu me segurava em lembranças próximas e remotas de nós dois. Queria-te de volta logo. Os prognósticos otimistas eram apenas confortantes, mas não traziam a alegria da saúde nem de teu sorriso. Fiquei vagando pelo centro. Não conseguia pensar em nada senão em ti. Não estiveste sozinha um instante. Nem quando dormias. Velei por ti no meu dia como por nossa filha o faria numa noite de febre. Palavras,palavras...insuficientes, palavras! Eu sou um homem de imaginação cotidiana. Falem com precisão o que tenho a dizer. Lembrei-me de passagens comuns de nossa vida. Dias banais que têm-me proporcionado excepcional felicidade. Assim, percebi que somos felizes todo dia. Os grandes momentos às vezes não são mais que a disputa para recolher e ler a revista primeiro, no domingo. Jantar fora na quarta-feira, fazendo planos e, claro, as constantes redistribuições do orçamento doméstico. Espero te retribuir o bem que me trazes. A vida perto de ti é a melhor que já pude experimentar. O Millôr Fernandes, lembrando Sartre e complementando-o, disse que “o inferno são os outros, mas o paraíso também.” Tu compões meu paraíso particular e quase não é um exagero dizer isso. O amor dá luz ao estilo. E não fará ridículo um literato cheio de seu belo afã. Posso dizer que sinto a dor de quem ama, Porque estava triste contigo. Também pude provar da alegria de ver-te refeita e nisso não invejo os mais felizes da terra. Eu tenho tanto a dizer-te, mas não será com afetação literária. Vou prometer o futuro mais prolífero no caminho da passagem do Poço. Dar-te um presente a cada natal. Ouvir todas as tuas recomendações com paciência. Dedicar-te a bela música ' paciência ' de Lenine. A vida não parou para nós, meu amor. “Foi só um passo de dança.” Vamos dançar direito este ritmo às vezes tão difícil de acompanhar. Eu também amava o grande Ambrósio, nosso primo de Barra do Corda. Queria vê-lo no sítio, feliz, com os filhos, netos e amigos, na sombra daquelas árvores que ele plantou e não viu crescer. Pensei em escrever um texto para te oferecer quando tivesses alta do hospital. Sei que chorou, mas agora sorriremos juntos. O texto é para deixar indelével o turbilhão de sentimentos que vivenciamos esses dias. Manuel Bandeira disse como queria seu último poema. Fernando Sabino queria a última crônica dele como um sorriso de um pai feliz. Só queria que este texto fosse como nosso amor e apenas retratasse a verdade.