quinta-feira, 4 de abril de 2013

CIDADÃO BARRODURENSE




As palavras têm o charme da sedução. Falam às vezes tão fundo que parece transcender o plano simbólico e atingir com força legítima a realidade da vida. Evocam coisas importantes de verdade e como tais deviam figuram por toda parte, sem as horríveis mitigações das circunstâncias. Mas é mesmo difícil só com palavras defender a vida, oh! João Cabral. Por isso me lembrei de um caso muito antigo que aconteceu por aqui. Era no tempo de Capitão Zezé Leão e do cangaço local, porém não se deu com sua senhoria o acontecido. Foi por aqui nos idos de nosso Senhor, quando delegado, por essas bandas, era escolhido pela boa reputação do sujeito no seio de sua comunidade. Assim foi que o delegado Boaventura Dias assumiu a delegacia de Barro Duro. Homem de coragem reconhecida. Cheio de disposição para assegurar a ordem e a compostura em face da municipalidade de seu povo. Não se permitiu fazer a desfeita que João Teodoro fizera em Itaoca, quando também fora nomeado delegado. Longe de nosso homem, que, ao contrário do outro, sempre se imaginara delegado. Os dias se passavam como de rotina. Nem o capitão Zezé fez das suas, por estima que tinha ao novo delegado. Só que a paz e a guerra, o sossego e o desassossego, como pensava Heráclito, nunca têm caráter definitivo. Daí um desavisado das bandas do Sagui veio fazer a feira e depois beber a cachaça como de costume. Era um rapaz trabalhador do eito, mas honesto que não tinha mais para onde. Bebeu cachaça. Fez discurso como na roça imaginara um dia. Aprontou, naquele dia melancólico, poucas e boas, até que veio o delegado.
_ Prende o homem, soldado!
O policial foi com sede de mostrar serviço ao chefe. Deu um solavanco no rapaz que este logo se lembrou de que estava em uma República. E invocou o direito.
_ Não me batam que eu sou um cidadão!
O delegado logo redarguiu:
_ Ora cidadão, vagabundo... leva logo este vagabundo, soldado!
Assim, o moço ficara sabendo que cidadão como ele não gozava de muito favor diante das autoridades.
Ainda deu para ouvir um senhor asseverar baixinho:
_ Ainda mais este menino do Sagui com história de que é cidadão, só mesmo...
Lembro-me de que isso aconteceu há muitos anos no nosso Barro Duro. Agora vem o governo com esse negócio de que a escola vai formar cidadão. Só se é pra pontapé de soldado. Ora cidadão...



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