terça-feira, 14 de agosto de 2012

UM POUCO DE BRISA




Só quando subimos a montanha e percebemos que nada de bom aconteceu, acreditamos que a razão de tudo estava mesmo no caminho. Eu estive em São Paulo no natal de 1996. Era a primeira vez que eu subia aquela montanha. Não estava muito feliz de estar ali. Toda a vida que conhecia havia ficado para trás. Talvez se tentasse compor um poema naquele natal, o primeiro verso seria assim: “vou-me embora para Barro Duro”, uma vez que o imaginava, como a Pasárgada do poeta Manuel Bandeira, o espaço onde eu podia realizar tudo aquilo que o presente de então negava.
Parece que acreditei naquela história de que “ aqui faz calor, mas também tem brisa”. É uma ilusão pensar assim. Hoje tenho saudade de São Paulo. A velha Pauliceia ainda desvairada. Da estação Armênia, Ponte Pequena, onde vi a vida ser tão dura. A banca de revista: meu trabalho, minha leitura, minha dor. O vendedor de café, o Ceará, grande amigo, que provavelmente jamais o verei novamente. O taxista Osvaldo não deixava a noite ficar melancólica. Detestava os tenros e o estúpido Magrão, seu concorrente de praça. Um velho advogado aposentado ia me contar as últimas da política. Incrível, mas parecia o noticiário mais recente. Sempre várias bandeiras particulares mascaradas por uma grande bandeira pública. E tinha os garçons das casas chiques da noite paulistana. Um pizzaiolo que fazia a caridade de nos oferecer uma fatia de sua pizza deliciosa. E os moradores de rua a nos dizer que há sempre uns mais infelizes ainda.
Queria voltar para o Piauí ainda que no lombo de uma onça como pensara o compositor maranhense. Foi possível realizar este pequeno desejo. Mas nunca o de fazer tudo o que eu quis. Às vezes, em junho, quando faz um pouco de frio aqui no sítio, lembro-me daquelas noites na avenida Santos Dummot com a Tiradentes e a avenida do Estado. Faziam ali o meu triângulo na Armênia. A noite era grande demais. Pensava em tudo. Lia as revistas. E queria que a vida fosse diferente. Ao romper da aurora, pegava o ônibus do Jardim América e seguia para Itaquaquecetuba dormir o dia inteiro na casa de minha querida irmã Maria. O dia para quem trabalha à noite é o tempo que não existe de Santo Agostinho. Parecia o mito de Sísifo, que consistia em passar o tempo todo a rolar uma grande pedra para o píncaro de uma montanha para em seguida ao arremesso voltar à fatídica rotina. Mas algumas emoções vivi naquele tempo. Quando fui ao viaduto do Chá ver o teatro municipal. Fiquei paralisado, “ foi aqui...! Mário de Andrade e sua turma”. E a arte não seria mais a mesma. Eu não seria mais o mesmo. O grande pássaro da liberdade por ali passou. O grande condor dos Andes. E eu vi.
No Largo São Francisco, a gravura de honra aos poetas : “ Aqui estudou Castro Alves”, “ Aqui estudou Álvares de Azevedo”. A Faculdade de Direito que também viu passar Miguel Reale. E eu só queria voltar para o meu riacho. Banhar numa água fria. Conviver perto dos que não são eminentes, mas sabem cativar com as próprias vidas. Pablo Picasso uma vez se referindo ao pintor francês Paul Cézanne disse “ Ele foi meu único mestre”. Fico feliz porque comigo não foi assim. Sempre tive muitos mestres na arte de escrever. Mas não só os grandes me fascinam. Admiro os mestres da vida com simplicidade. Aqueles que não procuram um fim, mas um caminho. É assim que encontramos um pouco de brisa. E, por isso, as coisas mais importantes podem às vezes não constituir nossa prioridade. Às vezes a cidade mais importante do país não é a mais importante para nós, naquele momento. Só o doce caminho escolhido pelo amor pode satisfazer nosso vazio de significado. Eu tenho mil razões para dizer não, mas eventualmente vou dizer sim. E sei que esse dia valerá a pena. Vamos então curtir a brisa.

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