sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CANAPUM

Para Lenyra


O escritor Monteiro Lobato disse que “quem não começou a escada da vida do degrau mais baixo nunca será um homem completo”. Estava aqui pensando que quem nunca comeu nem estourou canapum não pode mesmo ser uma pessoa completa. A gente tem um vazio existencial tão grande nesta vida de coisas sérias que às vezes precisa ir àquela velha e agradável vila da memória estourar canapum na testa para afastar o estresse do dia. Quando menino, a gente chamava canapum de espoca, capucho, bate-testa. Pum pum pum canapum. A tia Maria morava na Flor da Mescla e no quintal da casa dela havia muito canapum. Eu brincava de guerrilha, as bombas estouravam, dizimavam os inimigos. E depois a gente ia tomar banho no riacho da sussuarana. Meu irmão Francisco era caçador de baladeira. Perseguia os sabiás da beira do riacho como um Peri. Só olhava para o alto, não via o chão. Lembro o dia em que ele pisou na jaracuçu. Deu um grito horrendo e disparou a correr. Eu não conseguia acompanhá-lo. Não sabia se temia pela vida dele ou pela morte geradora de visagem, que assombrava a gente balançando os pés de oiticica do lugar. Eu não tinha nem coragem de olhar para saber se era alma penada mesmo ou se era o vento. Pum pum pum canapum. A gente tinha na natureza os nossos brinquedos coloridos. Eu espocava canapum na testa dos amigos. A gente pensava que o mundo era pequeno e que o vovô Zuca era o melhor contador de histórias do mundo. Hoje dizem que canapum purifica o sangue, fortalece o sistema imunológico e ajuda a diminuir o colesterol ruim; que tem alto teor de vitamina A e C, ferro e fósforo. Para mim o canapum faz bem para mente e para o coração. Especialmente quando estourado na testa. Eu acho que não estouraram canapum na cabeça das pessoas importantes desse país. É por isso que se vê tanto desamor na vida social. Estou convencido de que um canapum estourado na testa, na infância, traz mais frutos positivos para o futuro do país do que um Ministro da Educação com quarenta programas educativos. No quintal da minha tia havia muito canapum. A gente sabia o que fazer para ser feliz e sadio. Mas o que faz um Ministro com quarenta programas eu não sei. Apenas sei que me adoece.                       

Um comentário:

  1. Velhas lembranças, eu também estourei, e muito, canapuns na testa. Saudade imensa da minha infância querida. Agora com projeto de cultivar canapum, mesmo que seja em vasos na janela. Velhos tempos, belos dias.

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