A
pessoa que disse que “o estilo é o próprio homem”
sabia o que estava dizendo. Só se muda um estilo mudando-se o
próprio homem. Eu corro léguas nessa estrada infinita
da memória. Salto cancelas, trilho veredas, passo rio, lagos e
riacho. Ando na relva, bebo orvalho, tenho mil projetos e
sonhos...Mas tenho de admitir: eu amo mesmo é o Barro Duro. Há
vinte anos o amigo Clécio Catumbi tinha um bar paralelo à
pracinha do abrigo, e lá era o nosso café francês.
A gente ouvia música de Belchior, Chico Buarque, Gonzaguinha e
saía pela rua pensando em ser rebelde. Na rua Manoel Soares
Teixeira ficava a garagem da casa do Compadre Carlos Magno, onde era
a sede de nossa revolução. Eu tinha vontade de mudar as
coisas. Eu era um bolchevique e até o chão que pisava
era vermelho. Quando me apaixonei pela primeira vez, fui Álvares
de Azevedo e tinha no amor uma volúpia angelical. O chão
tremia quando minha cavalaria cruzava as ruas, destituía as
autoridades e impunha o meu governo revolucionário. Eu tinha
tudo em minha imaginação. A vida social naquele tempo
era muito mais precária, mesmo assim a gente sabia que as
coisas iam melhorar. Por isso hoje não tenho nenhuma paciência
com o estado de coitadismo a que se autoimpôs parte de meu
povo. Não é honesto imputar ao outro a culpa pelo
fracasso individual. É covarde ficar-se sempre culpando os
outros pelo que não se realizou. Uma coisa que distingue os
homens é a consciência. Com consciência a gente
muda os rumos da vida. Se o povo se sentisse parte integrante do
lugar, com um sentimento de pertencimento semelhante ao que os homens
de bem tem pela família, a gente cuidaria melhor da cidade.
Uma cidade pequena depende diretamente do poder público local
para atender suas demandas. Vejo aqui a causa remota ou mesmo próxima
das mazelas suportadas por todos no espectro social. O chefe do
governo é escolhido pelo povo, mas diferentemente daquela
balela de que o povo é sábio, estou convencido pelas
evidências históricas que o povo é egoísta
e estúpido. Por querer tirar sempre uma vantagem direta e
imediata o povo explora o postulante ao poder como as prostitutas
fazem com os homens ricos amantes da luxúria. Já o
postulante ao cargo político anseia tanto pelo poder que se
corrompe antes de assumir o governo. Vê-se assim que a coisa
não vai melhorar, isto é óbvio. A Administração
Pública é algo muito complexo. Não se constrói
uma cidade adequadamente pensando-se apenas o plano individual ou
grupal. É necessário ser atendida a dimensão
coletiva. Estamos, todavia, cada vez mais nos afastando disso. As
políticas públicas atuais visam a agradar o eleitor e
vencer a eleição. Quem executa as políticas
públicas faz de forma corrupta e desqualificada. Quem
fiscaliza está preocupado com outra coisa. Assim, a
ilegalidade é tão rotineira no Brasil que não
espanta mais ninguém. A solução para minha terra
e para o Brasil é talvez seguir o conselho de meu amigo
cordelista Moizés Nobre: “trocar o povo” e não
apenas o governo. Mas em todo lugar tem gente interesseira e
ordinária. Por isso, prefiro mesmo é meu Barro Duro. E
vou pedir ao Clécio para reabrir o bar.
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