segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O PÉ DE CAJU DO LAPINDAIA







Ninguém tem ao certo a dimensão do medo. Quando criança, o seu Lapindaia era para mim o leviatã dos mares fenícios, e seu pigarro, qual um grunhido do mostro marinho descrito no livro de Jó, me apressava a reação instintiva para fuga. Mas seu Lapindaia era apenas um velhinho cego, neto de escravos. Eu não devia temê-lo se não tivesse roubando seus cajus. Era um pé de caju enorme. A castanha era bibô. Até seu Chico Calé, na hora da compra, reconhecia se a castanha fosse do pé de caju de seu Lapindaia. Quando seu Calé olhava para mim, eu já ia me justificando, como um ladrãozim inexperiente que era. "Eu num robei no pé de caju do Lapindaia não, seu Chico. Ganhei dos meninos da rua do Tiro, na galinha gorda, pode perguntar o Pretim. Num foi não, Pretim?". Pretinho me ajudava, "foi sim, seu Calé, exi infiliz tarra cum sorte di mais hoje". O comerciante sorria, fingindo acreditar. Eu até jogava galinha gorda e triângulo de peteca, mas meu litro enchia de castanha mesmo era quando eu roubava as bibozonas do Lapindaia. Aquele pé de caju era único. Parecia um fruto encantado, vindo da terra dos gigantes mitológicos, onde habitam os leviatãs. Depois de adulto, parei com a atividade indigna do furto, mas sou frequentemente assombrado pelo Leviatã moderno de Thomas Hobbes a que chamamos Estado.  
 

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