Ninguém tem ao certo a dimensão do medo. Quando criança, o
seu Lapindaia era para mim o leviatã dos mares fenícios, e seu pigarro, qual um
grunhido do mostro marinho descrito no livro de Jó, me apressava a reação
instintiva para fuga. Mas seu Lapindaia era apenas um velhinho cego, neto de
escravos. Eu não devia temê-lo se não tivesse roubando seus cajus. Era um pé de
caju enorme. A castanha era bibô. Até seu Chico Calé, na hora da compra, reconhecia
se a castanha fosse do pé de caju de seu Lapindaia. Quando seu Calé olhava para
mim, eu já ia me justificando, como um ladrãozim inexperiente que era. "Eu
num robei no pé de caju do Lapindaia não, seu Chico. Ganhei dos meninos da rua
do Tiro, na galinha gorda, pode perguntar o Pretim. Num foi não, Pretim?".
Pretinho me ajudava, "foi sim, seu Calé, exi infiliz tarra cum sorte di
mais hoje". O comerciante sorria, fingindo acreditar. Eu até jogava
galinha gorda e triângulo de peteca, mas meu litro enchia de castanha mesmo era
quando eu roubava as bibozonas do Lapindaia. Aquele pé de caju era único. Parecia
um fruto encantado, vindo da terra dos gigantes mitológicos, onde habitam os
leviatãs. Depois de adulto, parei com a atividade indigna do furto, mas sou
frequentemente assombrado pelo Leviatã moderno de Thomas Hobbes a que chamamos
Estado.
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