quarta-feira, 8 de maio de 2013

SÓ PARA MARDOQUEU JÚNIOR

Meus amigos debocham de mim porque vivo dizendo que o mundo é complexo. Claro que eles desdenham não porque acham que o mundo é simples, mas porque sabem que o que estou constatando é o óbvio. No entanto, não poderia conceber algo mais pungente do que achar o mundo complexo, embora esteja dando ênfase constante a algo por demais truísta.
Eu conheci o Mardoqueu Júnior quando aqui cheguei em maio de 2010. Ele cultivava a virtude de falar pouco. Era muito contido também com os gestos e o seu sorriso era meio desconcertante. Aprendeu a virtude com o pai de quem herdou o nome e o caráter singulares.  Era decente como o irmão mais velho, Mardoclésio, simpático tal qual o outro irmão, Markellyson. Olhando para ele, mesmo com particular atenção, não era possível achar indício de mágoa ou de dor.
Júnior tinha o privilégio de ter uma família admirável. No trabalho, eram três irmãos, o que lhe rendia um espaço fraternal. Sua mulher lhe forneceu um rebento lindo, que afinal de contas é o maior presente que um homem pode receber. A esperança, que é companheira de todo jovem, estava com ele. Era inteligente como os irmãos e um membro fundamental de sua família unida.
Algo, porém, faltou a Júnior, como o mundo, “as motivações humanas também são complexas”, disse uma vez o ator Tom Hanks. Sofro em pensar que Júnior estava aqui do lado e eu não percebi sua dor. Teria dado uma boiada para conversar com ele. Lembro que, às vezes, eu e Izabel, Assistente Social aqui do trabalho, usando mais de humanidade do que lixo teórico, ajudamos pessoas quebradas emocionalmente e elas se reanimam para a luta da vida. Umas já voltaram e nos disseram isso.
Todavia, nunca conseguimos conversar com Mardoqueu Júnior. Talvez por achar que estava tudo certo com ele. Por que não estaria?
A dor da gente é mesmo invisível para os outros. As demandas urgentes da vida nos impedem de ver as coisas essenciais. Sempre vou me sentir um incompetente por nunca ter tido sequer uma prosa mais profunda com Mardoqueu Júnior. Eu o via toda semana. Ele era sempre muito cordial. Às vezes até ria de minhas histórias. Eu tive muitas chances de falar com ele sobre a vida. Poxa, mas o que eu poderia falar com ele?! Afinal, ele é irmão do Mardoclésio, a pessoa que aqui mais admiramos pelo equilíbrio e pelo senso de responsabilidade. Júnior tinha o perfil do irmão. Não ousei falar com ele nada além das banalidades cotidianas.
O fato consternante é que nunca ensinei nada ao meu amigo, que resolveu nos deixar sem sua companhia neste mundo definitivamente cada vez mais complexo; mas Júnior me ensinou que não podemos viver sem se importar com nossos colegas. A luta é dura para todos. Não há quem não precise de ajuda. As coisas ficam melhores quando temos com quem compartilhar a dureza desses dias.
Agora só resta saudade. Toda segunda-feira para mim será diferente. Nunca mais quero perder a oportunidade de me aproximar das pessoas. Obrigado pela lição, caro Mardoqueu. Descanse em paz e perdoe-nos por este nosso defeito vil de não ver quem está tão perto.



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