sexta-feira, 14 de junho de 2013

NA BEIRA DO RIO





Uma história é apenas uma história. Esta é a minha. O rio do meu lugarejo enchia até a vazante de banana de meu pai, quando o inverno era forte. Eu descia com o meu irmão Francisco para ver os remansos nas águas. Na beira do rio o cheiro de goiaba se misturava ao cheiro da terra após a chuva. Eu pisava na beirinha e segurava firme na goiabeira. Se caísse, o rio tragava sem piedade. Minha mãe sempre ensinou que água não tem cabelo. Rio não tem cabeça e menino não tem juízo. Eu me arriscava sem temer perder o futuro. Minha arma era uma baladeira de soro. Meu patoar estava cheio de pedras redondas da piçarra graúda da beira do riacho da sussuarana. Eu queria ser um guerreiro. Saía correndo na mata sem temer guaxinim. O rio cheio era muito perigoso e a mata fechada também ocultava perigo. Mas a gente amava demais ver os galhos das árvores descendo velozmente nas águas. As águas quando subiam deslizavam com mais leveza. Compondo-se com o vento, traziam aos nossos olhos o encanto que me completava o dia. Muitas vezes vi esse espetáculo belíssimo. Voltava para casa extasiado. Ficava ansioso pela próxima chuva forte. Torcia para tudo combinar. Tudo só era pleno quando o chão molhado exalava seu cheiro agreste, a goiaba madurava no pé sem ninguém tirar e os remansos rodopiavam as impurezas da enchente trazendo fascínio aos olhos. O mundo todo que eu conhecia naquele tempo ficava perto. Lá de minha casa já ouvia o ronco do rio enchendo. Quase tudo era perfeito para mim. Apenas sofria quando morriam ovelhas de meu pai. Perdia-se muita ovelha no inverno. Umas precipitavam-se nas grotas, outras feriam-se nos gravetos, bamburrais e contraíam bicheiras intratáveis. A gente precisava dos carneiros para o nosso sustento. Papai os vendia na feira da cidade. Depois comprava os mantimentos para o lar e, quando dava, passava na loja do tio Nerindo e comprava uma fazenda de tecido para dona Ambrosina fazer um vestido para mamãe. A vida era assim na beira do rio, até que um dia veio a doença no ureter do papai e nos arrancou da beira do rio.     

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