Domingo de solidão é um dia certo para pequenas lembranças. Por isso, agora me lembrei de um pé de roseira
que minha mãe mantinha no quintal de nossa casa. Para ele concorriam, no
pós-amanhecer, um casal de colibris sedentos por um néctar de vida. No sertão,
a gente diz que esse passarim beija a flor, quando em verdade colhe o mel para
viver. Por sua atividade, virou beija-flor, assim como a outro pássaro a lógica
popular deu o nome de pica-pau. Para melhor servir a propósitos satíricos, o
poeta Gregório de Matos chamou nosso pássaro de pica-flor. Lembro-me que, sob o
sol levantando, eu via uns colibris parados no ar numa beleza sem igual. Esse
pássaro-abelha, que a gente, na infância, abatia sem piedade para comer o
coração pulsando e ficar coqueiro na baladeira, diz mais sobre a minha vida do
que uma centena de livros áridos que já li. Lembrar daquele casal de colibris
me faz compreender a alegoria de Esopo de que o mais forte sempre tem razão, mesmo
não tendo, como na fábula do lobo e o cordeiro. Não importa a beleza
encantadora de colibri. Não se detém o algoz em face do pequeno. Lutar com um
igual é um desafio ético que não seduz muito os crápulas. E às vezes a gente se
desgasta tentando fazer melhor. Os colibris voavam velozes. E eram belos,
inocentes e bons. Eu tentei por semanas. Atirei um sem fim de pedras de
baladeira. Um certo dia de que hoje me envergonho matei o primeiro. No mesmo
instante o outro se aproximou como que se oferecendo para morte. Então, matei o
segundo beija-flor. Aí saí me sentindo grande como umas pessoas que conheço,
que perseguem os pequenos até o fim, com a diferença de que nunca se
envergonham.
Nenhum comentário:
Postar um comentário