sábado, 13 de julho de 2013

NO VIADUTO DO CHÁ




Já passei no viaduto do Chá, mas faz muito tempo. Foi em 1996, quando morei em São Paulo. A gente saía de Itaquaquecetuba, antes do dia amanhecer, para procurar emprego. Pegava o ônibus do Jardim América até a estação Armênia, de lá, o metrô para o centro. Eu tinha o sonho de conhecer os lugares por onde passaram os poetas modernistas de 1922. Mas, no Teatro Municipal de São Paulo, ficava de fora, na calçada, lendo o amarelim de empregos e esperando o futuro. Lembro que o viaduto do Chá fica perto do Teatro. Lembro também que lá os modernos recitaram "os sapos" de Manuel Bandeira e a burguesia paulistana reagiu com desdém. Era cedo e fazia frio. O povo passava veloz. Há muita coisa importante a fazer em uma cidade como São Paulo. Naquela manhã de novembro, porém, nem tudo era pressa entre as gentes. Vi um casal de mendigos sentados que não pareciam estar ali de passagem. O mendigo macho ergueu os braços para o céu, soltou um grunhido feio e voltou a deitar. O mendigo fêmea mexeu-se de forma mais contida, olhou ao longe e também não esboçou ímpeto de se levantar. Já li uma vez que "cada homem carrega uma pequena história". Sou da opinião de que toda história merece ser contada, mesmo as tida por desimportantes, o que é sempre muito relativo. Mas não estou contando esta história agora apenas pela miséria que vi. Era uma manhã muito fria. E eu aquecia as mãos enquanto sentia minhas novas incertezas. Só o que tinha era ansiedade e um pouco de esperança numa alma ainda jovem. Tive medo do Viaduto do Chá e sua rude hospedaria. Foi quando vi que o mendigo macho despertou por completo. Olhou o mendigo fêmea com ternura, acariciou-lhe o cabelo, beijou a testa e me ensinou naquele dia triste que nada na vida pode tirar nossa humanidade.                     

Um comentário:

  1. Dr José Soares Lima,não é por acaso que visito frequentemente seu blog,o motivo é sempre o mesmo, fazer uma leitura agradável que me faz ter orgulho de ser conterrânea de um escritor de alto nível como vc.O estilo de descrição minuciosa de detalhes faz quem mora em Barro Duro PI,sentir o mesmo frio no viaduto do chá,acompanhando a historia de um dos barrodurenses que na vida soube fazer de cada dificuldade uma oportunidade. Continue assim. Enfermeira Noemia.

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