A
coisa mais estúpida que se pode dizer para uma mãe que
perdeu a filha é que ela não sofra. Nesse caso o
sofrimento é a coisa mais desejada. A dor sem limite. O
desalento em seu grau mais atroz. Quem nesse dia vai lembrar de
sorriso? Isso aconteceu na vida da senhora Helena. A filha casou-se
com um ébrio habitual, que a espancou um dia até a
morte. Conheci dona Helena litigando com o uxoricida pela guarda das
netas. São duas meninas, belas como a mãe. Com o tempo,
percebi que dona Helena não vinha mais falar de processos
judiciais. Já chegava chorando. A tristeza no grau máximo.
A depressão à porta esperando para arrasar o que lhe
restava de vida. Dona Helena conseguiu a prisão do facínora,
a guarda das netas e a regularização dos alimentos das
pequenas através de uma pensão. Mas toda semana
voltava chorando, falava de sua solidão e da saudade que
sentia da filha. Algumas coisas na vida marcam mais profundamente do
que um ferro em brasa que um dia vi meu tio Antonio marcar uma rês,
lá no Piauí. A dor de dona Helena transcendia a
dimensão física e dissipava o que na vida a gente mais
dá valor. Um dia, era carnaval na cidade, ela chegou, verteu
as costumeiras lágrimas e novamente contou de sua insuportável
dor. Quando a dor é muito grande, já aprendi que as
pessoas não esperam nada senão um olhar de compreensão
e uma boca fechada. Então, passei dias para fazer a primeira
intervenção verbal no monólogo existencial de
dona Helena. Enfim, na hora oportuna, falei. Disse que era carnaval
no Parque da Raposa. Cantei para minha nova amiga a marchinha da
Jardineira: “oh, Jardineira, por que estás tão triste
?” Depois de meses, ela sorriu. Fez um charme senil e cantou a
insincera Aurora. Dona Helena esqueceu da dor naquela terça-feira.
Às vezes é necessário esquecer. Disse que já
foi a dama mais alegre dos bailes de carnaval no Lions Clube. E saiu
sorrindo, bendizendo a juventude. Aí fiquei pensando na vida
naquela manhã de terça-feira, lembrando de outros
carnavais. A gente não vê o tempo passar. A gente não
valoriza os nossos como devia. A gente não faz ideia da falta
que faz um sorriso das pessoas que mais se ama. Obrigado, minha
triste amiga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário