sexta-feira, 26 de julho de 2013

UM SORRISO



A coisa mais estúpida que se pode dizer para uma mãe que perdeu a filha é que ela não sofra. Nesse caso o sofrimento é a coisa mais desejada. A dor sem limite. O desalento em seu grau mais atroz. Quem nesse dia vai lembrar de sorriso? Isso aconteceu na vida da senhora Helena. A filha casou-se com um ébrio habitual, que a espancou um dia até a morte. Conheci dona Helena litigando com o uxoricida pela guarda das netas. São duas meninas, belas como a mãe. Com o tempo, percebi que dona Helena não vinha mais falar de processos judiciais. Já chegava chorando. A tristeza no grau máximo. A depressão à porta esperando para arrasar o que lhe restava de vida. Dona Helena conseguiu a prisão do facínora, a guarda das netas e a regularização dos alimentos das pequenas através de uma pensão. Mas toda semana voltava chorando, falava de sua solidão e da saudade que sentia da filha. Algumas coisas na vida marcam mais profundamente do que um ferro em brasa que um dia vi meu tio Antonio marcar uma rês, lá no Piauí. A dor de dona Helena transcendia a dimensão física e dissipava o que na vida a gente mais dá valor. Um dia, era carnaval na cidade, ela chegou, verteu as costumeiras lágrimas e novamente contou de sua insuportável dor. Quando a dor é muito grande, já aprendi que as pessoas não esperam nada senão um olhar de compreensão e uma boca fechada. Então, passei dias para fazer a primeira intervenção verbal no monólogo existencial de dona Helena. Enfim, na hora oportuna, falei. Disse que era carnaval no Parque da Raposa. Cantei para minha nova amiga a marchinha da Jardineira: “oh, Jardineira, por que estás tão triste ?” Depois de meses, ela sorriu. Fez um charme senil e cantou a insincera Aurora. Dona Helena esqueceu da dor naquela terça-feira. Às vezes é necessário esquecer. Disse que já foi a dama mais alegre dos bailes de carnaval no Lions Clube. E saiu sorrindo, bendizendo a juventude. Aí fiquei pensando na vida naquela manhã de terça-feira, lembrando de outros carnavais. A gente não vê o tempo passar. A gente não valoriza os nossos como devia. A gente não faz ideia da falta que faz um sorriso das pessoas que mais se ama. Obrigado, minha triste amiga.                  

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