segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

CRÔNICA DA SAUDADE

Para Vagner Ribeiro

Nada é mais pessoal do que uma crônica. É mesmo uma pequena “voz serena, leve e clara”, como dissera uma vez o escritor português Eça de Queirós. Através desse gênero informal expresso o que há em mim de mais urgente e banal. Conto aos amigos o que tenho visto da vida e compartilho as coisas que não sei guardar sozinho. Eu nunca tenho coisas muito importantes para contar como um Balzac ou um Kafka. Por isso, a crônica preenche com toda completude minha necessidade supostamente literária. Já é dezembro e hoje estou ansioso como aquele estudante que fui na década de noventa. Eu estudava em Teresina, mas meu coração era da cidadezinha de Barro Duro. Para ser bem franco, pouca coisa mudou neste mister. Só que agora não sou mais jovem, tenho mulher e duas filhas, um trabalho sério. Sério até de mais para quem ama o que eu amo. O coração, porém, continua na rua do Tiro. Lembro-me da riqueza cultural de meu bairro Floriano. Do canto imortal da alvorada do divino. A voz rouca de dona Francisca ressoava tão exata como o tambor de seu Sebastião: “É alvorada nova, é nova alvorada, é de manhã bem cedo, é sob a madrugada. Eu levantei de madrugada pra varrer a conceição, eu encontrei nossa senhora, com seus raminhos na mão”, tum... dum dum dum dum dum. Só quem tirava quebrante de menino branco do centro da cidade era a poderosa rezadeira mãe Santília. Seu Chocha também benzia como a esposa e ainda era careta do reisado e cantador de balandê “ô pisa o milho, ô, meu bem, tô pisando, o milho tá seco, o xerém tá voando. Quebrei o meu milho daqui pro sertão, eu quebrei ele verde por causa do ladrão”. Seu Quiquica foi o primeiro humorista que vi na vida e seu Antonio cearense era um potoqueiro fascinante. Às vezes, eu seguia seu Zacarias na pescaria de tarrafa. Todo dia eu pescava no riacho com cunca, capote e facão, mas tencionava um dia pescar de tarrafa ou engancho. Pensava em um dia ser um pescador de verdade como seu Zacarias e o velho Santiago. Lembro-me dessas coisas todo dia de minha vida. E hoje acordei com a mesma vontade que Dom Quixote tinha de viajar em seu bravo rocinante. Eu preciso ver por fora o que está cá dentro. E não vejo a hora de pisar novamente descalço meu querido chão.               

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