Quem
jogava pelada comigo no terreiro do Louro sabe que, com o Borrego,
zagueiro não podia vacilar. A Mundoca, irmã do Louro,
não deixava cavar o terreiro. Aí a gente botava um
pedaço de madeira e firmava-o com pedra de um lado e do outro
para servir de trave. Meu time era o mais veloz do campim
improvisado. Naquele tempo, eu nunca tinha ouvido falar em calorias,
mas “os maguim” de minha trupe não as consumiam tantas. No
espaço, que era grande para terreiro, mas pequeno para campo,
a gente era apenas cinco na linha e não tinha goleiro. Era eu,
Bequim, Bequiô, Bugu e Bugarim. Nem preciso dizer quem era
irmão de quem. A carimbada da bola dente de leite ardia mais
nas costas do que jiló na boca. A bola era pesada para nossos
corpos entanguidos, mas a gente era catita veloz. O time adversário
era o do “Vivim Comedor de Barro”, moleques maiores do que a
gente, mas fregueses contumazes. Completavam o time do Vivim, o Bob,
Dissom, Pretim e Magaiver. A bola rolava e a quebra caía. O
nome mais bonito que se ouvia era “fio de rapariga”. Pelada de
terreiro sempre perturba o vizinho, mas não se quebrava
telhado, porque telha não havia. A gente jogava até
escurecer. Eu via a bola até de noitinha. Eu não tinha
miopia nem enfado com os governos naquele tempo. Seu João de
Deus, pai do Louro, gostava da gente. E Louro, já adulto, não
deixava os moleques maiores nos bater. Seu João, Louro e
Mundoca foram nossos vizinhos mais queridos. A mamãe me ligou
outro dia e disse que seu João de Deus foi descansar em paz.
Mundoca agora é uma senhora aposentada. Louro casou com uma
dona que conheceu na “casa de amores fáceis”, mas não
teve muito sucesso no amor. No local do terreiro do Louro hoje tem
uma piscina e uma casa burguesa. Não sei mais o que há
por trás daquele muro alto, mas me lembro ainda do tempo em
que Bugu e Borrego dominavam o jogo com rápidas tabelinhas até
a explosão do gol. Hoje o silêncio e a saudade. O
Borrego veloz e decidido deu lugar a este careca lento e hesitante. O
tempo só não me arrancou esta paixão, que tenho,
semelhante a do Borrego que fazia gol.
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