Era o fim definitivo de um amor de quatro décadas. Judite
estava em desespero. Antenor tinha falecido na madrugada. Ela foi cedo ao mercado comprar o café para
sentinela do corpo até o sepultamento. Toda a vida que lembrava esteve ao lado
de Antenor. Ainda quando ele aprontava das suas, saindo com raparigas, ela não
se desligava dele. Bebia muita cachaça, se queixava para toda a vizinhança,
xingava Antenor de todo nome feio que conhecia, mas admitia que o amava e
sempre o aceitava de volta para continuar na vida sofrida que tinha. Uma vez
Antenor Viajou com uma dona para o Maranhão. Ele estava iludido por aquela
fêmea. Não calculou a dor que deixava com Judite e os quatro filhos pequenos.
Apenas ia atrás de um rabo de saia que para ele, naquele momento, era o único
mundo que conseguia divisar. Judite, naquele tempo, era mulher nova. Os filhos ainda
eram muito crianças para lhe ajudar na lida da roça. Três meninos e uma menina
alimentados a muito custo. Judite só e infeliz, mas ainda passava as noites a
lembrar do desalmado Antenor. Trabalhava a semana inteira que Deus dava,
quebrava coco babaçu, fazia carvão da casca e azeite da amêndoa. Os filhos comiam
farofa de bigolôs de coco, bebiam água do riacho e esperavam o tempo passar. No
verão do mesmo ano, Antenor voltou do Maranhão, abandonado pela amante e doente
de sezão. Judite lhe xingou de tudo que sabia dizer de feio neste mundo, mas quis
o marido de volta e ainda tratou de sua sezão. Desse tempo em diante, Antenor
nunca mais foi embora com outra mulher, mas às vezes, quando fazia uma empreita
boa na juquira, ia gastar tudo com as mulheres da toca do coelho. Enquanto isso
a pobre Judite segurava o trem com as próprias forças em casa e reagia à dor da
tração apenas xingando. Agora Antenor está morto no meio da sala e Judite está
sofrendo mais do que sofrera com ele a vida inteira. Judite não sabia o que
fazer diante de tão avolumado sofrimento. Andava de um lado para o outro,
chorava, fumava, tossia. Por fim, passou a xingar o marido morto, "eu num
te disse, miserave, que tu ia primero". "Um peste desse vai me deixar
só, nunca serviu pra nada só pra me dá trabai, esses meninu tão grande, mas fui
eu que criei e tu num presta, Antenor, por que tu vai me deixar homi, levanta
daí, miserave, tu nunca vai fazer nada qui serve pá tua nega, ô Antenor, num me
deixa peste, que vou fazer sem tu?". Judite não se aguentava de dor. É
indescritível o sofrimento de quem perde o amor de sua vida para sempre. Antenor
foi sepultado no fim da tarde. Judite voltou calada e arrasada. Viveu no sertão
a vida inteira, mal gaguejava a cartilha de ABC, mas sabia escrever o nome dela
e do marido. No dia seguinte ao do enterro, Judite acordou cede, pegou o velho
punhal de Antenor. Foi para a beira do riacho. Sentou pensativa, lembrou de
tudo que passara na vida. Depois foi ao grande ingazeiro da beira do riacho,
onde começou seu amor e escreveu com o punhal, "Judite e Antenor".
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